ARTIGO DE REFLEXÃO
DOI: 10.21901/2448-3060/self-2019.vol04.0013

 

O processo de individuação feminino no conto de fada "Pele de asno"

 

The process of female individuation in the fairy tale "Donkey skin"

 

El proceso de individuación femenino en el cuento de hada "Piel de burro"

 

 

Marieta Vieira MESSINA

São Paulo, SP, Brasil

 

 


RESUMO

Este artigo tem o objetivo de abordar o processo de individuação feminino por meio da análise do conto de fada "Pele de asno". O conto narra as estratégias usadas por uma princesa para fugir do incesto, revelado pelo pedido de casamento que lhe foi feito pelo rei, seu pai. Na perspectiva da psicologia analítica junguiana, a narrativa trata de evitar uma simbiose que impossibilitaria o desenvolvimento psíquico das personagens, em especial o da princesa. A escolha desse conto, que é arquetípico, justifica-se por ele auxiliar na compreensão do processo de individuação de mulheres que sofrem controle e/ ou coerção por parte de pais, irmãos e companheiros e por ele ser uma ferramenta que possibilita o acesso ao inconsciente. A relevância dessa pesquisa está no fato de abordar simbolicamente o desenvolvimento psíquico feminino tendo como pano de fundo a evitação do incesto pai-filha.

Descritores: incesto, individuação (psicologia), libido, mulheres, psicologia junguiana.


ABSTRACT

This article aims to address the process of female individuation through the analysis of the fairy tale "Pele de asno" (Donkey skin). The tale tells the strategies used by a princess to escape incest, revealed by the marriage proposal made to her by the king, her father. From the perspective of Jungian analytic psychology, the narrative is about the avoidance of a symbiosis that would make the characters psychic development impossible, especially that of the princess. The choice of this tale, which is archetypal, is justified because it helps to understand the process of individuation of women who suffers control and/ or coercion from fathers, brothers and partners and because it is a tool that allows access to the unconscious. The relevance of this research lies in the fact that it symbolically addresses female psychic development, having as a background the avoidance of the father-daughter incest.

Descriptors: incest, individuation (psychology), libido, women, Jungian psychology.


RESUMEN

Este artículo tiene como objetivo abordar el proceso de individuación femenina a través del análisis del cuento de hadas "Pele de asno" (Piel de Burro). El cuento relata las estrategias utilizadas por una princesa para huir del incesto, reveladas por la solicitud de matrimonio que le hizo el rey, su padre. Desde la perspectiva de la psicología analítica junguiana, la narrativa trata sobre la evitación de una simbiosis que impediría el desarrollo psíquico de los personajes, especialmente el de la princesa. La elección de este cuento, que es arquetípico, se justifica por su ayuda en la comprensión del proceso de individuación de las mujeres que sufren control y/ o coacción por parte de sus padres, hermanos y compañeros y porque el cuento es una herramienta que permite el acceso a el inconsciente. La relevancia de esta investigación está en el hecho de abordar simbólicamente el desarrollo psíquico femenino teniendo como antecedentes la evitación del incesto padre-hija.

Descriptores: incesto, individuación (psicología), libido, mujeres, psicología junguiana.


 

 

Introdução

Com o objetivo de compreender o desenvolvimento psíquico feminino, este artigo analisa o conto de fada "Pele de asno", compilado por Charles Perrault (1628-1703), no livro "Contos de fadas: edição comentada e ilustrada" (Tatar, 2004).

O conto narra o processo de individuação feminino e descreve, simbolicamente, a passagem da puberdade para a adolescência e da adolescência para a vida adulta de uma princesa que, após a morte da sua mãe, é surpreendida com o pedido de casamento do rei, seu pai. Em uma época em que a vida da mulher era pautada pela total obediência ou ao pai, ou ao irmão mais velho ou ao marido, mostrou-se necessário sair do núcleo familiar para encontrar recursos para evitar a simbiose, que resultaria em uma relação incestuosa de pai-filha.

Este estudo busca traduzir aspectos do conto amplificados para a linguagem psicológica.

 

Metodologia

A metodologia utilizada foi a de revisão de literatura. Ao fim, foram selecionados os seguintes autores para a análise do conto: Jung (Obras completas, 2011, volumes 4, 5, 9/1, 11/1, 12, 14/2, 14/3, 16/2), para abordar o incesto e a libido de parentesco e para amplificar aspectos do conto; Stein (1999), para tratar do aspecto positivo da libido de parentesco; von Franz (1985, 1984/2003, 1990/2005, 2002/2010, 1995/2010), para a compreensão dos aspectos do conto que foram analisados; Kast (1997, 2006), para estudar as etapas do desenvolvimento psíquico feminino; Murdock (1998), para analisar as consequências do relacionamento simbiótico entre pai e filha e o papel da mãe no desenvolvimento da filha; Neumann (2000) e Stein (1998), que possibilitaram a amplificação do significado dos vestidos da cor do tempo, da cor da Lua e da cor do Sol; Stein (1998) para tratar das consciências solar e lunar; e Whitmont (2008) para abordar a maturidade.

 

O conto

"Pele de asno" é um conto que descreve um reino repleto de beleza e fartura, cujo rei era muito poderoso, bondoso com os seus súditos e terrível com os seus inimigos. A riqueza do reino provinha de um asno que recebia atenções e cuidados diferenciados, pois, em vez de esterco, produzia moedas de ouro.

A mulher que o rei escolhera para ser a rainha era bela, serena e fiel; ser seu esposo o fazia mais feliz do que ser rei. Dessa relação de amor e contentamento nasceu uma única e linda filha, cheia de virtudes. Passado algum tempo, a rainha adoeceu repentinamente e, em seu leito de morte, fez o rei prometer que não se casaria mais. Mas, caso o fizesse, deveria ser com uma mulher que a superasse em beleza, perfeição e sabedoria. Mesmo acreditando ser impossível amar outra mulher, o rei fez o juramento e chorou copiosamente por dias e noites, sem consolo.

Passado algum tempo o rei se dispôs a casar-se novamente. Procurou muito no próprio reino e nos reinos vizinhos, mas nem uma mulher superava a rainha em virtudes e beleza, a não ser a sua filha ainda menina. Mesmo se dando conta do absurdo que seria desposar a sua própria filha, o rei a pede em casamento.

Assustada, a menina parte em busca da sua fada madrinha que a orienta a não negar o pedido do rei, porque ela se encarregaria de criar vários empecilhos para a realização do absurdo casamento entre pai e filha. No entanto, nada impediu o rei do seu intento de se casar com sua filha. Tendo esgotado todas as possibilidades e, a fim de evitar o casamento, a fada madrinha orienta a princesa a fugir do reino, levando todos os seus pertences em um baú, que a acompanharia por debaixo da terra. A fada lhe dá uma varinha mágica, com o poder de trazer o baú à superfície sempre que ela desejasse. Sozinha, a infanta foge, vaga como mendiga, até chegar a uma granja e ser aceita para realizar as tarefas de limpar o chão e cuidar de animais.

Em sua jornada fora do reino paterno, a princesa menina percebe o seu processo de desenvolvimento físico e psíquico, ganha conhecimentos sobre si e autonomia, integra o animus e torna-se rainha.

Buscando a compreensão de aspectos do conto "Pele de asno"

Os contos de fada são não só considerados universais, mas também são encontrados em todas as culturas. Podem ser usados com fins ou terapêuticos ou educativos porque refletem os comportamentos humanos. Para a psicologia junguiana a função dos contos é esclarecer "[...] sobre o desenrolar da função compensatória do inconsciente" (von Franz, 1995/2010, p. 19) seja pessoal, seja de uma cultura ou de uma época.

Os contos de fadas parecem, de fato, exercer, no âmbito de um povo, uma função semelhante à dos sonhos, para o indivíduo: eles confirmam, curam, compensam, contrabalançam e criticam a atitude coletiva predominante, assim como os sonhos curam, compensam, confirma, criticam ou completam a atitude consciente de um indivíduo. É esse o seu tremendo valor, e é por isso que jamais foram suprimidos ou absorvidos por qualquer ensinamento religioso vigente (von Franz, 1984/2003, p. 193).

As personagens dos contos de fada representam o inconsciente coletivo e deve-se ter cuidado ao relacioná-las às funções psíquicas. von Franz (1995/2010) faz considerações importantes a respeito das personagens femininas, destacando, em primeiro lugar, a necessidade de se analisar o conto sob o ponto de vista feminino e de abordar também o problema da anima. Em segundo lugar, von Franz observa que a ausência de nome de uma personagem significa como o modo de vida feminino vem sendo construído culturalmente ao longo do tempo, independentemente da época e do lugar, e ao mesmo tempo indica que a ordem das coisas precisa ser mudada.

A interpretação de um conto de fada sempre fica aquém dele mesmo. No entanto, eles apresentam eventos tão inusitados, que nos instigam a questioná-los. Para a psicologia analítica, que investiga seus significados desde meados do século XX (Estés, 2005), isso se justifica porque os conteúdos inconscientes são expressos em linguagem simbólica, que é difícil de ser compreendida pela consciência humana.

Há modos de reconhecer os fatos psíquicos contidos nos contos, como compará-los com a mitologia e fazendo analogias com os eventos da vida cotidiana e da natureza. Vários aspectos devem ser considerados (von Franz, 1990/2005): o tempo e o lugar em que se passa a história; o número de pessoas no começo e no fim do conto; o problema abordado; os altos e baixos da história e seu clímax - a peripeteia; o final e o rito de saída. Deve-se também contar as figuras que fazem parte da história, buscar o simbolismo do número de figuras e o papel desse número.

O reino

O início do conto relata um reino em equilíbrio, liderado por um rei atento, cruel para com os seus inimigos, amável para com os seus súditos. Essa descrição revela uma atmosfera correspondente ao patriarcado bastante estruturado e também mostra que nesse reinado há um campo muito fechado, representado pela família real, em que os integrantes se bastam, como é descrito em Tatar (2004, p. 215): "[do] terno e casto enlace desse casal, que foi pleno de afeição e contentamento, nasceu uma menina. Eram tantas e tais as suas virtudes que o rei e a rainha logo se consolaram por não ter mais filhos". Jung (1921/2011) chama esse relacionamento simbiótico de libido de parentesco, e compara o funcionamento na família ao modo como age um cão pastor que protege e mantém o grupo unido.

O relacionamento terno e casto entre o rei e a rainha pode ser interpretado por diferentes aspectos. Pode indicar pouco interesse sexual entre o casal - ausência de um eros instintual, um rebaixamento do psiquismo masculino em relação à anima, assim como uma inatividade do princípio feminino da rainha. Culturalmente, pode ser analisado como um período de patriarcado forte que não dá importância ao princípio feminino. A esterilidade, analisada por von Franz (1990/2005) "demonstra que a conexão com a terra criativa da psique foi quebrada, que um abismo existe entre valores e ideias da consciência coletiva e o limbo fértil, escuro e inconsciente dos processos arquetípicos de transformação" (pp. 188-189). Em uma situação pessoal, quando a mãe ou outra pessoa que a represente atue dessa maneira, a mulher pode formar um princípio feminino frágil (von Franz, 2002/2010).

Reconhecida ou não, a mãe ainda é a nutrição primordial na maioria das famílias e aquela que primeiro ajuda sua filha a desenvolver a linguagem. É ela que está lá para nomear as coisas, descrever suas cores, seus sons, e formas e perguntar à filha o que aprendeu. Essas primeiras interações entre mãe e filha ajudam a tornar-se consciente do mundo à sua volta. O modo como a filha é estimulada e apoiada para interagir com aquele mundo de maneira independente torna-se a chave para a fé em sua própria criatividade [itálico do original] (Murdock ,1998, p. 94).

O asno

Destaca-se na narrativa a presença de um asno que recebe honrarias que nenhum outro animal na estrebaria recebe. Na mitologia o asno é um dos animais do deus Dionísio e "[na] antiguidade era considerado um animal muito sensual" (von Franz, 1985, p. 48). A presença de enormes orelhas "indica em linguagem simbólica, a busca de seduções materiais, em detrimento da harmonia do espírito e da predominância da alma" (Chevalier & Gheerbrant, 2009, p. 94). No conto, o asno é apresentado como um ser divino, a sua essência animal não é revelada. Confere-se ao animal uma característica mágica por possuir o segredo dos segredos, um "dom de Deus [...], esse segredo singular da arte de fazer ouro [...]" (Jung, 1921/2011, § 353).

A descrição do asno como ser imaculado indica que no reino há algo, uma sombra. Essa sombra "[...] exprime o lado não aceito da personalidade assim como se constituiu e, portanto, é, de um lado, o conjunto das tendências, das características, das atitudes, dos desejos inaceitáveis em relação ao complexo do Eu [...]" (Pieri, 2002, p. 475).

A rainha e sua morte

A esposa era fiel companheira, tão encantadora e tão bela, de índole tão serena e tão doce, que fazia o esposo ser mais feliz como tal do que como rei. Inesperadamente, em um curto espaço de tempo, a rainha adoece e em seu leito de morte faz o rei jurar que não se casará novamente e que, se o fizer, que seja com uma mulher superior a ela em todos os aspectos. O pedido que a rainha faz ao rei deixa claro que a atmosfera familiar deve ser mantida. Assim, a rainha morre, ou seja, não vê o que ocorre no âmbito familiar. Sob o ponto de vista da cultura medieval, a rainha insiste que o poder, que as posses e o território fiquem entre os seus...

A pouca consciência dos princípios feminino e materno representa o esgotamento, de tais princípios indicado pela fragilidade da rainha, de sua doença e de sua morte. Também pode ser considerada a saída da primeira etapa do "desenvolvimento [psíquico] feminino" (Neumann, 2000, p. 7), período em que não há diferenciação e a criança e a mãe formam uma unidade.

O rei

O rei é descrito como poderoso, amável, terrível, temido, virtuoso e amante das artes. A rainha totalmente submissa tinha com ele um relacionamento descrito como plenamente harmônico.

Em relação ao masculino, a doença e a morte da rainha simbolizam que "a conexão com a terra criativa da psique foi quebrada" (von Franz, 1990/2005, p. 189). A consciência solar perde o equilíbrio e traz o perigo da obscuridade, da unilateralidade. O conteúdo inconsciente do rei, a anima, não está mais ativo.

O luto tem um tempo para ser vivido, corresponde à elaboração do que foi morto na psique para a estruturação de um novo conteúdo. Porém, o rei o vivencia intensamente por um curto período. Esgotado o assunto do luto, o rei procura uma substituta e somente a sua filha, ainda menina, supera a rainha falecida em todos os quesitos. Então, ele a pede em casamento.

A partir de um ponto de vista literal, evidencia-se aqui uma tentativa de incesto pai-filha. Psiquicamente, significa que o "ego não funciona em harmonia com a totalidade psíquica" (von Franz, 2002/2010, p. 39).

Pai, mãe e filho [ou filha] são de uma mesma substância, e o que se diz de um vale também para o outro em certas circunstâncias; daí se deriva, por exemplo, a variante do incesto, como sendo mãe-filho, de irmão-irmã, de pai-filha etc. [...] que não são de natureza química, mas psíquica [...] fazem parte do inconsciente [...] (Jung, 1957/2011, § 62).

Para Jung (1921/2011) "[o] incesto como relação endógama corresponde a uma libido que, em última análise, tende a manter a coesão da família em seu sentido mais restrito. Podendo chamá-la, portanto, de libido de parentesco [...]" [destaque do original] (§ 431).

O rei percebe seus sentimentos em relação à filha, ou seja, ele tem consciência do que se passa no ego. Porém, não observa a sua inferioridade ética (von Franz, 1985), secundariza a sua culpa, desconsidera a sua função de pai, entra em um estado passional e personifica o asno com as suas enormes orelhas. Em linguagem psicológica, ele perdeu o equilíbrio interior. Ele se torna um abusador em busca da realização de seu desejo de possuir.

Para Robert Stein (1999), "a ferida do incesto causa a separação entre Eros [sic] e a sexualidade" (p. 97). Esse autor considera que eros engloba "amor e [...] paixão humana - psíquica e erótica [...]" (Stein, 1999, p. 297). O fenômeno psíquico descrito no conto é a projeção da anima na figura da filha, gera-se assim um incesto psicológico.

O casamento com a anima equivale psicologicamente a uma completa identidade da consciência com o inconsciente. Uma vez que um tal estado só é possível em caso de total ausência de autoconhecimento psicológico, ele é necessariamente mais ou menos primitivo, isto é, a relação com a mulher consiste essencialmente apenas numa projeção da anima [itálico do original] (Jung, 1921/2011, § 433).

No caso da projeção da anima do rei na figura da princesa, trata-se de manifestação do eros puramente instintivo que, segundo Jung, pode estar associado também à "vontade de poder, (descrita por Adler) o qual coexiste manifestadamente com a sexualidade, sendo por vezes difícil de detectar qual dos dois é o instinto predominante" [itálicos do original] (Jung, 1921/2011, § 360).

A princesa

Ainda menina, a princesa vê que está "[...] diante de alguma coisa com a qual não [sabe] como lidar, e que é análoga a uma situação arquetípica caótica [...]" (von Franz, 2002/2010, p. 285). Ela é traída pelo pai e isso demarca o término da inocência, como se fosse a morte dessa fase e o nascimento de outra, a da consciência (Murdock, 1998). A traição do pai possibilita a configuração do incesto, do abuso sexual. No entanto, a unilateralidade da psique do complexo dominante é rebaixada pela traição da filha que foge do pai.

É preciso coragem para que uma filha diga não a seu pai, faça suas próprias escolhas e busque sua aprovação e valorização. Mas, se uma filha quer separar sua identidade da de seu pai e liberar sua própria energia, em algum momento precisa rejeitar a sua autoridade exterior e tornar-se autoconfiante. No processo, por mais doloroso que seja, ela desenvolve uma capacidade de autorreflexão, deliberação e iniciativa que eventualmente corta os fios fundamentais do vínculo que a unia a ele (Murdock, 1998, p. 171).

Com o pedido de casamento, a menina, totalmente transtornada, recorre à sua fada madrinha. Essa atitude simboliza a tomada de consciência de que não pode mais identificar-se com a sua mãe e inicia um novo trabalho da psique, dando continuidade ao processo de individuação. Fica assegurada a confissão e não o segredo, evita-se a simbiose. Simboliza também o início da formação de um feminino positivo, que implica ter consciência de que passará por muitas provas (von Franz, 1995/2010).

A morte prematura da rainha indica que "[a] antiga forma consciente, a mãe, desaparece para ser substituída por forças mágicas opostas" (von Franz, 2002/2010, p. 237), representadas pela figura da fada madrinha. De um lado, a mãe, rainha que insiste na libido de parentesco, o aspecto negativo; de outro, a fada madrinha, o aspecto positivo, que insiste que a princesa crie identidade própria, autonomia e que inicie seu processo de diferenciação psíquica.

A fada

A personagem da fada madrinha é boa, simboliza a deusa-mãe subterrânea, como espaço materno positivo inconsciente, "[...] morava longe, numa gruta solitária ricamente ornada de nácar e coral" (Tatar, 2004, p. 218). Ao receber a princesa, a fada afirma que ao seu lado ela está segura, que ela pode aquietar-se e que nenhum mal a atingirá. A fada, assim como a gruta acolhedora em que ela se encontra, são símbolos do arquétipo materno, indicam que a princesa não perdeu a conexão com a mãe pessoal e que a busca, agora, no arquétipo da Grande Mãe (Jacobi, 1957/1991). A gruta tem o significado de "temenos", "o recinto de templo ou de algum lugar sagrado e isolado" (Jung, 1934/2011a, §157), onde quem é recebido fica totalmente protegido, inalcançável e inviolável, como um lugar pertencente a Deus (von Franz, 1990/2005).

Com a idade entre oito e dez anos, a princesa deve ter um complexo do ego em formação e necessita de uma referência para estruturar a psique nessa fase de seu desenvolvimento. A fada é apresentada como modelo a ser seguido, assim como em outros contos aparecem personagens de pessoas mais velhas, nas quais o herói e a heroína se orientam para tomar decisões. A fada do "Pele de asno" é uma dessas personagens,

[...] portadora de salvação ou mestre de sabedoria. Ela é, com efeito, em certos aspectos, uma projeção do Self: a reação natural do jovem admirador é a de desejar assemelhar-se ao objeto de sua admiração. A personagem funciona então como o modelo de um comportamento melhor e mais adulto, o que constitui exatamente o papel dos "heróis" dos contos. Enquanto o Complexo do ego ainda está fraco, essa projeção auxilia na construção de um ego mais adaptado. [...] [O] ego tem um aspecto arquetípico e que ele é edificado pelo Self, e que é esse aspecto arquetípico do ego que o herói ou a heroína dos contos de fadas representam (von Franz, 2002/2010, p. 38).

A fada protetora utiliza a estratégia de exigir que o rei realize tarefas sobre-humanas, usando para isso um objeto - o vestido.

Biologicamente falando, a atividade do consciente representa a luta de adaptação psicológica do indivíduo. A consciência procura se adaptar às necessidades momentâneas, ou dito de outra forma: apresentam-se tarefas que o indivíduo precisa levar a termo. Em alguns casos, a solução é desconhecida a priori, por isso a consciência procura a solução seguindo sempre a experiência do passado. Não temos nenhum motivo para supor que o material psíquico subliminal obedeça a outras leis que o material subliminal [itálico do original] (Jung, 1914/2011, § 553).

A um pai cabe proteger o corpo de seus filhos, e a fada propõe que a filha não peça uma veste nupcial, e sim vestidos com símbolos astrológicos, indicando que o eros dele precisa passar para um estágio mais evoluído, saindo do sensual para o espiritual.

Os vestidos

O primeiro pedido é o de um vestido da cor do tempo (Tatar, 2004, p. 218) e indica ao rei que ele espere pelo menos um ciclo anual - o período entre as quatro estações do ano -, como se dissesse ou lhe pedisse que desse um tempo para o luto pela morte da rainha.

O vestido da cor do tempo indica que "[nas] situações que dependem do princípio feminino (quer se trate da anima no homem ou da feminilidade na mulher), o tempo é um elemento essencial; nada mais pode auxiliar e toda interferência será prejudicial" (von Franz, 2002/2010, p. 85). Nesse caso a consciência matriarcal está se formando e está condicionada ao "domínio do tempo de crescimento da lua" (Neumann, 2000, p. 93).

A atitude do pai corresponde à inflação da consciência, em que o ego assume "uma atitude rígida e extremada, abandonando como referencial o Self e ignorando a possibilidade de transformação transcendente [...]" (Samuels, Shorter, & Plaut, 1988, p. 31), ou seja, de unir os conteúdos conscientes com os inconscientes. Se conseguir unir esses conteúdos, o pai evolui no processo de individuação e percebe que a realização de seu desejo é inconcebível, pois, "[a] vida, em seu verdadeiro sentido, não é apenas um deixar acontecer, mas também torná-la consciente" (Jung, 1944/2011, §105).

O primeiro movimento do Self parece exigir o estabelecimento de um executor, de um ego firme capaz de adaptação social adequada e que tenha valores éticos de acordo com a moralidade do grupo social que o contém. O arquétipo do Self realiza-se através do complexo do ego em termos de padrões familiares e culturais (Whitmont, 2008, p. 195).

Diante da inflexibilidade do rei, da sua rigidez psíquica, a fada passa para outra etapa do plano, sugerindo que a princesa peça o segundo vestido, da cor da Lua, em uma tentativa de que o pai avance em seu processo de desenvolvimento, entrando em contato com o seu inconsciente.

O rei é chamado mais uma vez a reconhecer em sua filha o princípio feminino, representado pelo ciclo lunar que cresce e mingua. No entanto, ele está tomado por seu aspecto heroico e solar e muito depressa consegue o vestido.

Enquanto a consciência patriarcal, por natureza, se movimenta rapidamente, e supera longos processos de transformação e de desenvolvimento da natureza com a ação arbitrária do cálculo experimental, a consciência matriarcal permanece sob domínio do tempo de crescimento da lua. A sua luminosidade e seu conhecimento-luz estão ligados ao decorrer do tempo e à periodicidade, assim como a lua. Para essa forma de consciência, o tempo precisa amadurecer, e, portanto, com ele, assim como as sementes colocadas na terra, o conhecimento amadurece. (Neumann, 2000, p. 93).

Quanto à princesa, em sua fase lunar, ela será púbere e depois, ao menstruar, adulta. Conhecerá a luz e a sombra da Lua, em suas quatro fases: nova é a fase criança; crescente, a fase púbere; cheia, a fase adulta, e, finalmente, minguante, a fase velha. Passará a conhecer o ciclo de vida-morte-vida que está presente na natureza enquanto planeta e enquanto metáfora da vida psíquica. É necessário morrer o eros instintivo e alçar outros níveis.

Com o pedido do terceiro vestido, a fada então clama que o rei eleve seu espírito, que chegue a Deus, simbolizado no vestido da cor do Sol. Diante da beleza do vestido, a menina vivencia um conflito, desestabiliza-se frente ao "desejo de seguir o comportamento [vigente] e o que impele a criatura a um esforço sobre-humano de consciência" (von Franz, 2002/2010, p. 246).

Consideram-se as análises de Marie-Louise von Franz (2002/2010, p. 248) sobre o feminino e sobre o seu simbolismo: (a) o aspecto diurno, a Grande Mãe foi representada pelo vestido da cor do tempo; (b) a mulher foi representada pelo vestido da cor da Lua, com seus ciclos e nuances de luz e de sombra, e (c) o animus foi representado pelo vestido da cor do Sol.

Consideram-se os vestidos, para fazer a análise do masculino, o vestido da cor do Sol simboliza a consciência solar, aquela que determina a hora do nascer do dia, que analisa, escolhe, julga, pois: "[a] consciência parte da percepção consciente de que existe 'outro', e de que justifica levar o outro em conta na mesma proporção que a si mesmo" (Stein, 1998, p. 13). Para Neumann (1995, p. 13) "do ponto de vista de nossa consciência discriminante, a estrutura do Self adulto implica sempre uma relação eu-tu".

A função do aspecto solar da consciência é pressionar o ego a servir às normas, aos ideais, aos valores coletivos. Os valores que a consciência solar defende, assim como as ações que recomenda ao ego, possuem uma quantidade permanente e estável, e almejam manter o status quo de certos padrões psicológicos e sociais. Esse lado da consciência é mais ou menos plenamente acessível à percepção consciente e existe na luz, por assim dizer (Stein,1998, p. 24).

O vestido da cor da Lua indica que o rei precisa perceber seus aspectos luz e sombra, que mesmo sendo o "Sol", ele necessita daquela que reflete a sua luz. A "Lua" o reverencia, girando eternamente ao seu redor, porém, ele jamais poderá tocá-la, sem destruí-la.

No [...] caso [da consciência lunar] a exigência da consciência é feita em nome de razões indistintas, não diferenciadas racionalmente nem estribadas numa argumentação razoável. Seu modus operandi parece turvo e imprevisível, suas leis mantêm-se enevoadas e não identificáveis com os imperativos morais gerais. Pode exigir de alguém o que não requer de outrem. Como fenômeno lunar, a consciência é muito difícil de se predizer. O que virá a cobrar no futuro, ou em qualquer situação imaginada, é incerto e até mesmo caprichoso [...] (Stein, 1998, p. 25).

Os vestidos da cor do Sol e da Lua correspondem ao "[...] Sol e a Lua na qualidade de equivalentes divinos dos arquétipos dos pais, têm enorme poder psíquico [...]" (Jung, 1912/2011, § 576), mas não conseguem atuar no rei doente, totalmente afetado por sua sombra, seu desejo de poder, de possuir, de ser obedecido. Em uma última tentativa, a fada pede a pele do asno.

Todo o movimento realizado pela fada não sensibiliza o rei, que tenta manter a sua "personalidade e seus sistemas de valor" (Whitmont, 2008, p. 195). Seu ego não responde às solicitações do Self. O ego

[...] deve ser considerado como uma instância que responde às necessidades de uma outra, que lhe é superior. Esta é o Self, princípio ordenador da personalidade inteira. A relação do Self com o ego é comparada àquela do "que se move com o que é movido" (Samuels, Shorter, & Plaut, 1988, p. 31).

O ego está a serviço do Self e, de modo ideal, deve estar consciente e em busca de realizar as potencialidades da pessoa de modo ético, inserido na cultura de seu tempo e respeitando as leis comuns. Primeiramente o rei pensou em casar-se com a princesa, sua filha, procurou um casuísta para avaliar sua escolha, indicando que percebeu sua insensatez. Posteriormente, por três vezes, com os pedidos dos vestidos que tinham um caráter anímico e numinoso, o rei teve a oportunidade de confrontar a sua sombra e perceber o que estava em desacordo.

A maturidade e o desenvolvimento exigem um confronto entre o ego e o Self. A necessária adaptação do ego é desafiada pelo anseio do Self de transformação do ego. Quando isso ocorre sob a forma de uma abrupta invasão do ego por impulsos e imagens hostis, pode significar a dissociação da personalidade.

Mesmo quando o confronto pode ser encarado pelo ego sem um estilhaçamento da ordem estrutural, ele geralmente apresenta sérios problemas morais e éticos (Whitmont, 2008, p. 195).

Murray Stein (1998, p. 11) trata da complexidade da consciência e a descreve como "[...] uma reação visceral, e pertence à pessoa. Não é um produto do pensamento racional nem da reflexão. É um agente interno que defende valores não necessariamente idênticos ao interesse particular imediato daquele indivíduo". Existe consciência quando há alteridade.

Diante da resistência do rei em elevar seu eros para além do instinto, a fada mostra seu lado de maga e alquímica (von Franz, 1995/2010, p. 250) e pede a morte do asno e a sua pele como última tentativa de conduzir o rei à organização psíquica.

[A] [...] morte por imolação lembra toda a categoria dos sacrifícios mitológicos de animais. O sacrifício de animais, quando perde o significado primitivo de simples oferenda e adquire um sentido religioso mais elevado, está em íntima relação com o herói e com a divindade. O animal representa o próprio deus; assim, por exemplo, o touro representa Dionísio-Zagreu e Mitra; o cordeiro, Cristo etc. O sacrifício do animal significa imolação da natureza animal, da libido instintiva (Jung, 1912/2011, §659).

Em muitos contos, é preciso apoderar-se rapidamente da roupa mágica ou da pele de um animal. A pele ou a roupa representam a forma pela qual uma pessoa se conduz ou então são a máscara, a persona sob as quais alguém se esconde. Quero ter uma aparência diferente do que sou, neste caso a roupa torna-se um disfarce, a personagem que quero mostrar aos outros [itálico nosso] (von Franz, 1995/2010, p. 206).

A fada orienta a princesa a vestir a pele do asno e a deixar o reino do seu pai. No conto de fada, quando um ser humano é "[...] transformado em animal significa estar fora de sua esfera instintiva, alienado dela" (von Franz, 1985, p. 48), representando o inconsciente coletivo. Mas não é o caso desta personagem porque ela usa a pele do asno como se fosse uma capa, é como se tivesse pegado emprestado a força dos instintos do animal: "[se] uma pele [...] é jogada sobre um conteúdo da psique, o tipo de animal escolhido expressa simplesmente a forma como tal conteúdo [...] tende a se comportar [...] (von Franz, 1985, p. 76).

A princesa realiza a katábasis, representada pela saída do reino paterno para o mundo desconhecido do seu psiquismo, desfazendo-se a fusão e iniciando o seu processo de individuação. É o término da infância e o início da sua diferenciação sexual e da busca de autonomia. Inicia-se um processo de voltar-se à natureza instintiva, para conhecer suas potências e dificuldades, sua natureza infra e supra-humana, lunar e solar, durante um tempo que não é pré-estabelecido.

[...] O passo da simbiose para a individuação, da experiência da unidade com a mãe [ou com o pai] para a alegre experiência de si mesmo como personalidade autônoma, própria, é uma separação. Nas primeiras separações por que passa uma criança se determina quão receosa ela é, quão competentemente ela consegue lidar com separações em sua vida futura e ser ela mesma (Kast, 1997, p. 78).

A princesa, ainda menina, não recua diante da proposta da fada madrinha e inicia seu processo de desligamento da manutenção da ordem vigente, evitando a simbiose. Ao sair do reino, a princesa perde a sua majestade, todos que a veem a chamam de Pele de Asno. Ela realiza um movimento em direção à vida, como escreve Bonaventure (1984/2003, p. 15):

[talvez] a individuação seja, antes de mais nada, assumir a sua própria condição humana tal qual se apresenta, vivê-la com todas as suas implicações e riquezas, sempre se referindo ao Centro que é ao mesmo tempo o objetivo e a própria vida.

O pai, com a atitude da filha, libera a libido que estava retida no complexo do incesto.

A fada madrinha possibilitou que a princesa levasse seus presentes dentro de um baú, que a seguiu por baixo da terra, por onde a Pele de Asno fosse. Também lhe deu um objeto mágico, uma varinha que, segundo Propp (2002)

[a] varinha surgiu do convívio do homem com a terra e as plantas. [...] a varinha é tirada de árvore verde e, por isso, pode ser mágica e transmitir suas propriedades de fecundidade, abundância e vitalidade e tudo o mais que toca (p. 233).

É a varinha que proporciona a vitalidade, que toca a terra e dela nascem ou renascem os dotes da princesa, que existem por baixo da pele de um asno.

No conto de fadas, um tesouro emerge das profundezas uma vez a cada cem anos, num determinado dia, numa determinada hora, e pertence àquele que o descobre no momento certo de seu próprio crescimento. Somente uma consciência matriarcal, afinada com o processo do inconsciente, reconhece esse elemento temporal individual, ao passo que uma consciência patriarcal, para a qual esse momento é um dentre os incontáveis momentos idênticos no tempo, está destinado a deixar que escoe. Nesse sentido, a consciência lunar é mais concreta e está mais próxima da realidade da vida, e a patriarcal é mais abstrata e mais distanciada da efetividade (Neumann, 2000, pp. 95-96).

Os dotes, em forma de vestidos, espelhos e joias, representam todo o conhecimento adquirido pela princesa durante o tempo de confecção desses vestidos. Quando ela toca o chão com a varinha, o baú sai da terra com seus pertences e ela pode usá-los, integrá-los à sua psique, dando prosseguimento ao seu processo de individuação. O baú tem o mesmo "[...] [simbolismo] do cofre [e] tem por base dois elementos: o fato de nele se depositar um Tesouro material ou espiritual; e o fato de que a abertura do cofre seja o equivalente de uma revelação" (Chevalier & Gheerbrant, 2009, p. 262). Esses objetos têm importante função, pois,

[...] na vida, os pertences pessoais que eram importantes antes do surgimento de uma regressão severa - seja uma psicose, uma depressão maior, ou uma síndrome de abstinência - podem agir como placas indicativas, mostrando o caminho de volta para a vida (Kast, 2006, p. 145).

Estar no mundo é viver por conta própria, é sobreviver vestida com a pele do asno que perdeu a sua magia de transformar esterco em ouro. É também adotar para si as características do animal: persistência, força e determinação. São aspectos importantes da personalidade de uma pessoa que vai para o mundo sem ter ferramentas para nele sobreviver. Ela tem que estar disposta a aprender. A "Pele de asno" não sabe um ofício, não tem uma profissão. Assim lhe resta perambular e pedir esmolas.

Todos os aspectos de sua sombra são considerados negativos e a Pele de Asno não é acolhida e nem recebe ajuda. Como uma heroína clássica, ela persiste e caminha até sair do reino de seu pai, procura-se abrigo e submete a qualquer trabalho, ao sacrifício.

A granja

A princesa é aceita como criada em uma granja, com a função de limpar o chão da casa com trapos e a cuidar do comedouro dos porcos. Realiza com afinco o seu trabalho, não se deixa abalar com as críticas dos criados da granja e, somente aos domingos, banha-se e veste os lindos vestidos, vivenciando os opostos, inconsciente e consciente.

Na granja, as mais diversas aves eram criadas (Tatar, 2004, p. 222), sinaliza que, nesse local, ocorria a união dos opostos por meio do voo dos pássaros, que "[...] os predispõe, é claro, a servir de símbolo às relações entre o céu e a terra. Em grego, a própria palavra [pássaro] foi sinônimo de presságio e de mensagem do céu" (Chevalier & Gheerbrant, 2009, p. 687). A simbologia entre céu e terra constela a relação do casamento, onde a mulher corresponde à terra e o homem ao céu ou ao paraíso (Neumann, 2000).

Quando entra em cena o príncipe, que perambulava pela granja para descansar após uma caçada, inicia-se uma nova fase do processo de individuação da Pele de Asno. Ela observa que o príncipe tem um porte real, um ar imponente e amável.

Aos domingos, a princesa observa-se e "[gosta] de ser jovem, rubra e branca" (Tatar, 2004, p. 222). Indica-se que, sendo jovem, ela saiu da infância; que, sendo branca, incorporou em sua psique a consciência lunar, ou seja, o princípio feminino; e que, sendo rubra, integrou a consciência solar, o animus.

Ao mesmo tempo, quando refletimos sobre nós mesmos, sobre nossas reações aos outros e sobre a reação deles a nós, temos a chance de nos conhecer melhor. Quando uma mulher se entende com seu animus, quando ela reflete sobre as influências disso em sua vida, o animus se afoga nessas reflexões, enquanto ela mesma se salva do afogamento (von Franz, 1995/2010, p. 42).

O mesmo processo psíquico sucederá ao príncipe, após avistar a Pele de Asno em seu quarto e ser tomado por intenso encantamento.

O príncipe

O príncipe perambula pela granja e percorre o corredor escuro que leva ao quarto da Pele de Asno e a olha pelo buraco da fechadura. Era dia de feriado, e a princesa redimida vestia um de seus belos vestidos, expondo toda a beleza do seu ser, simbolizando não estar maculada pelo pai. Encantado, o jovem príncipe contém-se e não invade o quarto,

[...] o espírito realiza a preparação difícil e oculta enquanto reconhece ao mesmo tempo a raiz de seu próprio desejo, a concupiscentia, e começa a segui-la. Psicologicamente, isto significa que ele começa a seguir em si mesmo a inclinação da energia psíquica [itálicos do autor] (Jung, 1968/2011, § 96).

O príncipe percebe a princesa como outro, manifestando o segundo e o terceiro estágio cultural do eros, pois, observa primeiro o vestido, depois o rosto e, em seguida, a alma da princesa. Por "[três] vezes, ao calor do fogo que o transportava, ele quis arrombar a porta. Mas, acreditando estar diante de uma divindade, três vezes seu braço foi detido pelo respeito" (Tatar, 2004, p. 223).

O segundo grau [dos estágios culturais do eros] ainda diz respeito a um Eros [sic] predominantemente sexual, mas em nível estético e romântico, em que a mulher já possui valores individuais. O terceiro grau eleva o Eros [sic] ao respeito máximo e à devoção religiosa, espiritualizando-o (Jung, 1921/2011, § 361).

Muito encantado e surpreso pela visão que teve, o príncipe pergunta pela bela jovem que morava no fundo do quintal e a resposta foi a de que que ali tinha uma mulher horrorosa e suja. Existem duas Pele de Asno: uma que o príncipe conheceu e a outra que as pessoas descreveram para ele. São duas imagens opostas. No nível pessoal do desenvolvimento masculino, esses sintomas indicam o processo de individuação que "trata-se de um processo ou percurso de desenvolvimento produzido pelo conflito de duas realidades anímicas fundamentais [...] [representadas pelo] embate do consciente e do inconsciente [...]" (Jung, 1934/2011a §523). O príncipe entra em um profundo conflito, como mostra o conto (Tatar, 2004), e volta para o reino dos seus pais.

O príncipe adoece na sua alma, indicando um rebaixamento da consciência, provocado pela percepção de que perdera algo vital (Jung, 1934/2011b). Os sinais de recuperação aparecem após insistentes pedidos de sua mãe para que ele esclarecesse sobre a causa de seu desconforto e ele revelasse o desejo de comer um bolo feito pela Pele de Asno. O pedido é atendido prontamente pela princesa.

O bolo

Ao chegar na granja, a princesa não sabia fazer nada, usou as suas mãos para alimentar os porcos e para lavar os trapos com os quais limpava o chão. Agora, usará as mãos para fazer um bolo, que requer saber fazer.

Como se intuísse que faria um bolo, ela usou a farinha que mandou "peneirar na véspera especialmente para tornar sua massa mais fina, seu sal, sua manteiga e seus ovos frescos" (Tatar, 2004, p. 224).

Para evento tão importante, a princesa "lavou as suas mãos, os braços e o rosto. Para tornar digno o seu trabalho, pegou um corpete de prata, atou-o logo e começou" (Tatar, 2004, p. 224). A princesa lavou-se. Ocorreu a redenção. Seu resplendor foi restaurado. Atou em seu corpo o colete de prata e tornou-se mais uma vez purificada, pois a prata, em sua natureza química, tem o poder de limpar e desinfetar.

Psicologicamente, o bolo é o pedido de casamento, o símbolo unificador, pois, em sua composição utiliza-se materiais que representam os quatro elementos: terra, água, ar e fogo. A terra, com os seus elementos de origem animal (ovos, manteiga e leite); o elemento de origem vegetal (farinha); os elementos de origem mineral (o sal e a água contida no leite); o elemento ar retido na massa, produzido pelo movimento realizado ao bater as claras e misturar os ingredientes. Por último, o fogo, que tem a função de provocar o cozimento ao elevar a temperatura, ou seja, aumentar a consciência e realizar a união dos elementos e da transformação deles. Além disso, o sal também está relacionado à sabedoria e é

[...] considerado como o princípio de Eros [sic], e é chamado de "aquele que abre e une". [...] o sal simboliza a sabedoria de Eros [sic], sua amargura junto ao seu poder de vida - a sabedoria adquirida pelas experiências dos sentimentos" (von Franz, 1990/2005, p. 150).

Para Jung,

A exemplo do consciente, o inconsciente se agrupa em torno de tarefas biológicas e procura as soluções na analogia do que já se passou. Sempre que desejamos assimilar algo desconhecido, nós o fazemos por analogia. [...] É sempre desse modo que conhecemos as coisas. É esse também o fundamento essencial do simbolismo. É um aprender por analogia (Jung, 1914/2011, § 553).

O anel

Para fazer o bolo, além do colete de prata, a princesa colocou um anel de ouro em seu dedo. Como a prata simboliza a Lua e o feminino e o ouro simboliza o Sol e o animus, o fato dela usar em seu corpo esses objetos, indica o quanto ela avançou em seu processo de individuação. Ao fazer o bolo, o anel de ouro se solta do dedo da princesa: ela não está mais vulnerável, tem autonomia e torna-se agente de transformação.

O ouro, como um metal dos mais preciosos, tem sido associado em nosso sistema planetário com o sol e está geralmente relacionado à incorruptibilidade e imortalidade. Ele é o mais duradouro dos metais e, nos tempos primitivos, era o único metal conhecido que não se decompunha, nem ficava preto, nem verde e que resistia a todos os elementos corrosivos. Os tesouros de ouro podiam ser enterrados e desenterrados após muitos anos, que eles permaneciam os mesmos, o que não acontece com o cobre, a prata ou o ferro. Então, ele é considerado um elemento imortal e transcendental que supera a existência efêmera - ele é eterno, divino e o mais precioso, e qualquer coisa que tenha sido feita de ouro é vista como tendo uma qualidade eterna. É por isso que o anel de casamento é feito de ouro, pois significa sua duração para sempre, e que não deve ser corrompido por quaisquer influências negativas terrenas; as pedras preciosas enfatizam ainda mais isso. As pedras preciosas significam, em geral, os valores psicológicos (von Franz, 1990/2005, p. 95).

"Pele de asno" auxilia o processo de individuação do príncipe, ao impor que ele a encontre, por meio do anel de ouro que ele descobre ao comer o bolo.

O processo de transformação é complexo para o príncipe também. Ele tem pais amorosos que são capazes de tudo para agradar-lhe. O conto indica que a rainha, sua mãe, exerce influência sobre filho, conduzindo-o para a resolução dos seus conflitos. É sempre a mãe, o princípio materno positivo, que o instiga com as perguntas e o auxilia a perceber seus problemas, para tornar consciente os aspectos inconscientes.

O casamento

O príncipe admira-se com o anel e com a pedra de esmeralda incrustada nele. O símbolo da pedra é secular e indica "[...] algo sólido e terreno. É a ideia da matéria feminina que penetra na simbolização espiritual" (Jung, 1957/2011, § 309).

O anel e o bolo têm a forma redonda. Psiquicamente, serem redondos os tornam uma imagem do Self (von Franz, 1990/2005, p. 94), o centro regulador da psique. Como foi o príncipe que pediu o bolo, ele está consciente do seu desejo de união. O bolo ingerido passa a fazer parte do seu ser e, então, realiza-se a integração externo-interno. O príncipe, com seu princípio masculino e anima estruturados, está pronto para realizar a união com o outro, seu oposto.

O anel é um objeto para ser colocado no dedo, um local visível, indica-se em nível pessoal, que se está inserido na cultura e simboliza uma união, um casamento.

Se um homem dá um anel a uma mulher, ele expressa, saiba ou não, o desejo de se ligar a ela de uma maneira suprapessoal, de se ligar a ela não somente como um caso de amor efêmero. Ele quer dizer: 'Isto é para sempre. É eterno'. E significa uma conexão via SELF e não somente via caprichos do ego. No mundo católico, o casamento é um sacramento e a conexão não é somente aquela de dois egos decidindo ter o que Jung expressou como 'uma pequena sociedade financeira para criar filhos'. Se um casamento é mais do que isso, ele significa o reconhecimento de alguma coisa suprapessoal; ou, em linguagem religiosa, entre o aspecto divino que significa o 'para sempre' num sentido muito mais profundo do que um estado apaixonado, ou algum cálculo que a princípio fez com que as pessoas ficassem juntas [destaque do original] (von Franz, 1990/2005, p. 94).

O príncipe apresenta nessa fase um princípio masculino forte e uma anima que está para além de uma projeção, o que indica que o eros atingiu o quarto nível, o da sabedoria. A simbologia da sabedoria é confirmada pela presença da pedra de esmeralda que tem significados benéficos e maléficos (Chevalier & Gheerbrant 2009). Entre os benéficos está o fato de que se trata de um símbolo do ciclo lunar, da fertilidade, de apressar o parto; ela tem virtudes afrodisíacas, traspassa as trevas, é um talismã. Já como significados maléficos, ela simboliza as intensas chuvas tropicais; a pedra que se soltou da testa de Lúcifer durante a sua queda; ela representa ainda um perigo para aqueles que não a conhecem. Então, a esmeralda também traz em si o significado da união dos opostos.

Ao observar a pedra de esmeralda, o príncipe reconhece os aspectos psicológicos da mulher proprietária do anel e quer formar com ela um casal, estabelecer uma conexão pelo Self e não pelo ego. Ele não procura mais a sua anima ele busca a mulher que o instigou a se individuar, não importa a sua origem ou aparência (Tatar, 2004).

[...] a mãe marca não só os aspectos "femininos" do filho, mas também a imagem que ele cria da mulher, suas aspirações, exigências e seus temores face às mulheres. Essa imagem vaga e mítica, que oscila em sua imaginação e seus desejos entre a deusa e a prostituta, evolui ao contato com as mulheres reais que encontra ou ama. Um dos problemas do homem é aprender a ajustar suas fantasmagorias à realidade e reconhecer em sua parceira um outro indivíduo humano: nada mais, mas também nada menos! (von Franz, 1995/2010a, p. 10).

O príncipe tem somente um interesse: conhecer a mulher em cujo dedo caberá o anel. Pela magnitude do anel, ele sabe que sua proprietária é da realeza, social ou psíquica. A redenção da princesa é revelada, pois, o anel com pedra de esmeralda serviu somente em seu dedo. Assim, ela abandona a pele do asno, seu vestido azul e seus cabelos ficam a mostra. Seu processo de desenvolvimento está completo. O aspecto animus, que funcionava de forma negativa e não humana, passa a funcionar de forma humana consciente. Mostra-se toda sua beleza física e psíquica, representada pelo vestido e pelas joias preciosas que enfeitam seus cabelos dourados (Tatar, 2004).

Um casamento, analisado em nível simbólico, significa que o pai autoriza publicamente que sua filha inicie sua vida sexual com um homem mais jovem e viril (Murdock, 1998). No caso do conto "Pele de asno", a filha rompe com o pai, quebrou-se a simbiose pai-filha, e agora se demonstra que ela tem autonomia emocional. No entanto, nenhuma punição coube ao rei, sinalizando mais um aspecto arquetípico do conto.

Os estágios do conto

O conto que se inicia com três personagens, desenrola-se em três estágios e estão relacionados com os movimentos realizados pela psique da princesa. Em cada estágio, ocorre uma organização e uma desorganização que simbolizam o modo como a psique se apresenta, em uma tentativa de que a personagem alcance um nível mais elevado de consciência. Os três estágios são associados ao processo de individuação feminino.

No primeiro estágio, com a morte da rainha, quebra-se a harmonia. O pedido de casamento que o rei-pai faz a sua filha constitui o problema e os altos e baixos da história começam. O pai desorganiza e impulsiona a história. A princesa vai à busca de ajuda, junto à sua fada madrinha. A fada possibilita que a princesa infanta processe a saída da simbiose parental, estruture seu ego e deixe o reino paterno. Quem dirige a ação é a fada madrinha.

No segundo estágio, a princesa é jovem, tem um ego que suporta passar pelo período de escassez e de transformação, trabalha limpando a sombra, conhece as suas potências, tira a pele do asno e veste seus lindos vestidos. Quem dirige a ação é a princesa porque ela já tem autonomia para isso. A pele do asno, a sombra que desorganiza, transforma-se. Ocorre a estruturação do princípio feminino.

No terceiro estágio, a desorganização é representada pela dúvida do príncipe sobre a natureza da princesa. Conhecer e admirar o príncipe e o encantamento do príncipe por Pele de Asno indicam a organização. Nesse estágio, ocorre a integração do animus. A princesa revela a sua persona ao apresentar-se ao rei com o vestido suntuoso e os cabelos ornados com pedras preciosas. O Self está presente no símbolo do bolo, do anel e do casamento.

O rito de saída

O rito de saída, que é um modo de terminar o conto e trazer o ouvinte para a realidade do dia a dia, mostra-se ausente. Perrault (Tatar, 2004, p. 228), ao encerrar o conto, opta por evidenciar que ele tem como função ensinar que: (a) toda adversidade deve ser vivida para que a simbiose seja evitada; (b) frente a incredulidade do conto, cabe às crianças, às mães e às avós evitar que ele seja esquecido; (c) amantes exacerbam seus dotes; (d) jovens gostam de belos vestido; e (e) todas as mulheres se creem belas, a fim de alertá-las para que fiquem mais conscientes das suas escolhas.

O rito de saída deste estudo é um texto de cantiga de roda, Terezinha de Jesus (Anônimo, s. d.), do cancioneiro popular brasileiro. Há um tempo, não muito distante, meninas e meninos cantavam "Terezinha de Jesus", brincando de roda nas ruas próximas às suas casas, quando as meninas púberes começavam a escolher seus parceiros amorosos. Somente o último verso era cantado por um dos meninos, ao escolher a menina que se torna seu par. A partir daí, ela ficava ao lado dele até o término da brincadeira:

Teresinha de Jesus
Deu a queda foi ao chão
Acudiram três cavaleiros
Todos três chapéu na mão.

O primeiro foi seu pai
O segundo seu irmão
O terceiro foi aquele que a
Teresa deu a mão.

Teresinha levantou-se
Levantou-se lá do chão
E sorrindo disse ao noivo
Eu te dou meu coração.

Quanta laranja madura
Quanto limão pelo chão.

Quanto sangue derramado
Dentro do meu coração.

Da laranja quero um gomo
Do limão quero um pedaço
Da menina mais bonita
Quero um beijo e um abraço.

 

Considerações finais

A análise de um conto de fada proporciona a compreensão do rico simbolismo existente nele, representado pelas personagens e pelos diversos elementos da história. Analisando o desenvolvimento psíquico feminino sob o ponto de vista da psicologia analítica junguiana, "Pele de asno" é um conto que simboliza as diferentes etapas do processo de individuação feminino. Ele aborda a estrutura familiar que mantém seus componentes muito protegidos e dependentes, o que impede o desenvolvimento psíquico saudável de todos eles e gera-se a libido de parentesco.

O narrador descreve um reino harmônico que entra em desequilíbrio após a morte da rainha, e o consequente pedido de casamento feito pelo rei à princesa, sua filha infanta. O pedido causa estupefação na menina, faz com que surja um conflito que se desdobra com a saída da princesa do reino, e, com isso, evita-se o incesto pai-filha. A insistência do rei em ter seus desejos atendidos impede a transformação de sua personalidade e de realizar em si a metáfora do asno que elimina ouro no lugar de esterco.

O papel da fada madrinha relaciona-se com o desenvolvimento da consciência no rei e na princesa. No rei, para que ele busque pautar as suas decisões em princípios éticos e desenvolva a alteridade. Na princesa, para que ela saia da simbiose parental, e torne-se independente psiquicamente e desenvolva o princípio feminino.

O adoecimento do rei provoca a fuga da princesa do reino. A busca da filha para fugir do abuso paterno mostra-se representada pela jornada empreendida por ela, que perde a sua majestade ao sair do palácio e se torna a "Pele de asno". Toda a trajetória que se segue é sinal da saúde psíquica da personagem.

Cabe ao pai ser um modelo para organizar o animus da filha, porém, o rei se torna um grande problema porque passa a ser interligado com os seus aspectos negativos, representados pela pele do asno que a filha começa a usar para fugir do reino, em uma época em que a mulher não tinha direitos de decisão e tinha a vida pautada pela total obediência ou ao pai, ou ao irmão mais velho ou ao marido O pai trai a filha com o pedido de casamento. A filha também trai o pai, ao aceitar dele os vestidos maravilhosos, a pele do asno, e depois fugir do reino. Ela comete uma desobediência que é sadia, pois evitou o incesto.

No aspecto humano o incesto ocorre em todas as esferas da sociedade, causa terríveis danos aos abusados, torna- uma questão da esfera familiar, da saúde pública e também uma questão jurídica.

Fugir do reino paterno representa deixar morrer a criança e aprender a ser mulher com tudo o que a natureza fornece; representa ainda integrar as polaridades de sua psique: o princípio feminino com o animus. Os aprendizados que a princesa menina realiza para se tornar mulher estão intrinsecamente ligados ao seu desenvolvimento psíquico.

A jornada de individuação feminina é retratada passo a passo no conto, que deixa claro que esse processo requer enorme sacrifício e persistência para que ocorra.

O conto analisado revela, simbolizada na personagem da princesa, um tipo de consciência que "sabe" que a vida é para ser vivida sem medo, usando-se os atributos que a pessoa tem. Os atributos e as habilidades vão sendo construídos, mantendo uma conexão com a terra, a natureza humana, e uma conexão com o céu, a natureza espiritual. Dessa maneira, o modo como a pessoa atua no mundo, permite que ela se transforme e passe por experiências que lhe trarão alegrias e dores, sem que as mesmas a petrifiquem.

O modo como Charles Perrault manifesta suas opiniões e juízo de valor registrados nas falas do narrador indica a sua percepção de mundo e o espírito do tempo no século XVII. Ele se refere às mulheres caracterizando-as como manipuladoras, fúteis e narcisistas. Responsabiliza as crianças a usarem o conto como exemplo para suportar as dificuldades da vida e realizar o que cabe a elas. E, por último, aborda o aspecto inverossímil do conto, ao mesmo tempo em que responsabiliza as crianças, as mães e as avós a missão de mantê-lo vivo.

O fato de esse conto não terminar com "e foram felizes para sempre" indica que a psique continua seu processo de evolução e involução, de vida-morte-vida, pois, enquanto há vida biológica, há vida psíquica.

Na prática psicoterápica junguiana, o conto de fada, por ser simbólico, possibilita o acesso ao inconsciente do paciente e pode ser amplificado com o uso de recursos expressivos como a dramatização, o desenho, a pintura, a escultura, a dança, a imaginação ativa.

O conto "Pele de asno", por ser arquetípico é atemporal, pode ser utilizado na clínica psicoterápica, para relacionar os eventos da narrativa com as situações da vida que geram conflito ou adoecimento nos pacientes.

O conhecimento do simbolismo existente nos contos de fadas é fundamental para os profissionais de psicologia analítica junguiana, a fim de que possam identificar o processo evolutivo dos seus pacientes e lhes proporcionar instrumentos que os auxiliem na percepção de si e da sua jornada, para que eles possam vislumbrar a melhora de seu quadro e possibilidades de uma vida mais consciente.

 

Referências

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Recebido: 02 abr 2019
1a revisão 27 ago 2019
Aprovado: 18 set 2019
Aprovado para publicação: 21 nov 2019

 

 

Conflito de interesses: A autora declara não haver nenhum interesse profissional ou pessoal que possa gerar conflito de interesses em relação a este manuscrito.
Minicurrículo: Marieta Vieira Messina - Psicóloga clínica e educacional, pelo Centro Universitário FAESA (Vitória/ES); especialista em Psicoterapia Junguiana pela Universidade Paulista (São Paulo/SP); psicopedagoga clínica pela Escuela Psicopedagógica de Buenos Aires (Buenos Aires, Argentina); licenciada em Ciências pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; licenciada em Ciências Biológicas pela Universidade Iguaçu (Nova Iguaçu/RJ). Guardiã de Círculos de Mulheres na Faculdade Metropolitana de Belo Horizonte (Belo Horizonte/MG). E-mail: marietavm@yahoo.com.br