ARTIGO DE REFLEXÃO
DOI: 10.21901/2448-3060/self-2018.vol03.0009

 

O retrato genial de Vincent van Gogh: um processo de individuação

 

The brilliant portrait of Vincent van Gogh: an individuation process

 

El retrato genial de Vincent van Gogh: un proceso de individuación

 

 

Denise Diniz Maia

São Paulo, SP, Brasil

 

 


RESUMO

Em cada um dos seus mais de 40 autorretratos, Vincent van Gogh confirma a necessidade contínua de exploração de aspectos de sua própria identidade. Cada vez que ele olhava seu rosto, esforçava-se para se compreender melhor. Vincent viveu o extremo artístico e existencial. Sua obra jamais se encaixou em um único movimento artístico. Seu estilo, absolutamente único, se alterava de acordo com seu instável estado de espírito. Ele inspirou-se exacerbadamente em sua própria imagem; expressou por meio dela um mundo em fragmentação e procurou uma moldura que contivesse seus conteúdos internos buscando, assim, integração psíquica. A proposta deste ensaio é refletir sobre o processo de individuação de Vincent a partir de seus autorretratos e de sua correspondência, particularmente aquela trocada com seu irmão Theo.

Descritores: pintura (arte), autorretrato, identidade, imagem, individuação (psicologia).


ABSTRACT

In each of his more than 40 self-portraits, Vincent van Gogh confirms the continuous need for exploring aspects of his own identity. Every time he looked at his countenance, he made an effort to understand himself better. Vincent lived an artistic and existential extreme. His work never fitted in one single artistic movement. His absolutely unique style changed according to his unstable state of mind. He intensely inspired himself in his own image. Through it, he represented a fragmented world while looking for a frame for his inner contents, and for psychical integration. This essay intends to reflect on the individuation process of Vincent through his self-portraits and letters, particularly the ones he exchanged with his brother Theo.

Descriptors: painting (art), self-portrait, identity, imagery, individuation (psychology).


RESUMEN

En cada uno de sus más de 40 autorretratos, Vincent van Gogh confirma la necesidad continua de exploración de aspectos de su propia identidad. Cada vez que miraba su rostro se esforzaba por entenderse mejor. Vincent vivió un extremo artístico y existencial. Su obra jamás se encajó en un único movimiento artístico. Su estilo, absolutamente único, se alteraba de acuerdo con su inestable estado de espíritu. Se inspiró intensamente en su propia imagen, y por medio de ella mostró un mundo en fragmentación en búsqueda de un marco que cercase su contenido interno, procurando de esa forma su integración psíquica. La propuesta de este ensayo es reflexionar sobre el proceso de individuación de Vincent a partir de sus autorretratos y de sus cartas, particularmente las que intercambiaba con su hermano, Theo.

Descriptores: pintura, autorretrato, identidad, imagens, individuación (psicología).


 

 

Introdução: van Gogh e a ronda

Posso muito bem na vida e também na pintura me privar de Deus, mas não posso, privar-me de algo maior do que eu, que é minha vida, a potência de criar. van Gogh (1958/199a, p. 25, carta 531).

Meu primeiro contato com o estranho e intenso estado de alma de Vincent van Gogh me fascinou de imediato, inundando-me com os mais diversos sentimentos. Falo de "Ronda dos encarcerados" (Figura 1) - releitura de um trabalho de Gustav Doré, pintor francês do século XIX. É interessante observar que um dos prisioneiros - aquele que olha para o público - poderia ser considerado um dos autorretratos, o último realizado por Vincent

 

Figura 1."A ronda dos encarcerados", Vincent van Gogh. Reproduzida de https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/9/9e/Vincent_Willem_van_Gogh_037.jpg

 

Existem muitas formas de leitura de uma obra de arte. Para Tarkovisk (1998):

Ao se emocionar com uma obra prima, uma pessoa começa a ouvir em si própria aquele mesmo chamado da verdade que levou o artista a cria-la. Quando se estabelece uma ligação entre a obra e seu espectador, este vivencia uma comoção espiritual, sublime e purificadora. É neste momento, de descoberta de si mesmo, que nos transformamos (p. 49).

O caráter arquetípico do movimento circular se apresenta nos rituais indígenas, nas danças circulares e nos jogos infantis, ou seja, o princípio de movimento em círculo. O circuito repetitivo gera a consciência de um centro transpessoal. A circulação traz a delimitação e a concentração do recinto sagrado, animando as forças opostas da natureza humana. Forma-se, assim, um círculo mágico protetor no qual se potencializa a energia vinda do inconsciente, como uma espécie de carga elétrica que envolve a todos, evitando a dispersão. Simbolicamente a roda representa em seu aspecto negativo a repetição vazia e sem renovação, como se não houvesse uma via de saída, o que pode ser observado na tela de Vincent. Em seus aspectos positivos, a roda representa o movimento, os ciclos e a mudança.

O arquétipo da roda tem por objetivo fixar a imagem do círculo e do centro, relacionando-a com cada ponto da periferia. Psicologicamente esta disposição equivale a uma mandala.

Vincent viveu para seu trabalho, o que o levou a um extremo artístico e existencial. Ele tinha consciência de seu sofrimento e de suas dificuldades. Na carta encontrada junto ao seu cadáver em 29 de julho de 1890, ele diz: "Bem, sobre o meu trabalho, eu estou arriscando a minha vida, e a minha razão está meio naufragada por sua causa [...]" (van Gogh, 1958/1991a, p. 298, carta 652).

Das profundezas da sua obra vem uma luz que nos toca, e ela é, às vezes, tão intensa que nos ofusca. A cor, no tocante à sua intensidade, foi sua paixão: traduzia sua fúria, sua impetuosidade e seus anseios mais profundos. Um artista é alguém com uma coragem extraordinária para captar as imagens de seu inconsciente, que lhe permitem coletivizar a beleza e entregá-la aos demais, ainda que arriscando tudo para poder fazê-lo (Risquez, 1995).

 

Algumas perspectivas psicanalíticas e filosóficas sobre as artes plásticas

A abordagem psicanalítica freudiana ressalta, por um lado, os dados biográficos, da causalidade dos eventos e da influência ambiental; e, por outro, da reação do indivíduo, procurando revelar as forças pulsionais originais. Freud equipara a arte à neurose, estabelecendo um paralelo entre criação e sintomas neuróticos. A arte seria uma sublimação: a libido abandona o objeto sexualmente desejado para dirigir-se a outra meta, encontrando satisfação em atividades não sexuais e socialmente valorizadas. Segundo a psicanálise freudiana, uma parte da produção psíquica serve para a satisfação substitutiva de objetos e desejos reprimidos e insatisfeitos (Kon, 1996).

Interpretar as obras de arte sob o enfoque dos dados mais marcantes da vida do artista - a psicobiografia - foi a primeira das direções de pesquisa na psicanálise da arte. Outras formas de interpretação seriam: (1) a observação da manifestação do inconsciente na obra, analisando-se a temática, o destino das pulsões e a realização do desejo; e (2) a reflexão sobre os ritmos e cada uma das etapas da produção da obra e do processo de criação (Kon, 1996).

Numa análise sobre Leonardo da Vinci, Freud trata do desenvolvimento psíquico, descrevendo fatos da sua infância, como a relação parental, que teve sobre ele um efeito profundamente perturbador e que influenciou toda a sua obra. Freud (Gombrich, 1967) reduz sua análise a algumas variáveis, a temas, como: a sexualidade em termos de repressão, a fixação materna e a sublimação. Embora o conceito de sublimação tenha sido fecundo, sabe-se hoje que este é limitado quando usado para explicar a realização artística, pois ele descreve apenas o aspecto social do processo de descarga de energia vinda do impulso instintivo. O objetivo da reorientação de tal energia é canalizá-la para algo que mereça o consentimento social. O fenômeno da criação é muito mais amplo, abordando também outros aspectos. A atividade artística consiste propriamente em executar, produzir e realizar que é, ao mesmo tempo, inventar, figurar e descobrir. Não é possível projetar a obra antes de fazê-la. É somente fazendo-a que ela é encontrada, inventada e passa a existir.

Segundo Kon (1996), no ato de criar é importante o aspecto lúdico do prazer infantil de experimentar várias combinações e permutações. O artista que experimenta e vai em busca de novas descobertas - como um pintor nas formas visuais - escolherá, no processo pré-consciente, as estruturas que lhe pareçam significativas, segundo seu intelecto e seus conflitos interiores. Mas é a sua arte que informa o seu intelecto e não o seu intelecto a irromper na arte. Poderão, por vezes, vir à tona experiências (ou estados de ânimo) que estavam latentes no artista. O eu, em sua função organizadora, aprende a transmutar e a canalizar os impulsos do id e uni-los na complexidade da obra de arte.

Para De Fonzo (1993), o artista, por um instinto inato, é levado a criar e a transformar em arte seu impulso neurótico. O artista vive a dicotomia das fases de entusiasmo e de melancolia-depressão.

Segundo Wittkower & Wittkower (1968), o artista pode, em sua exaltação criativa, expressar o desespero advindo do sentimento de insatisfação, ou do não reconhecimento de seu trabalho. Vincent, não tendo mais esperanças de tê-lo reconhecido, foi levado ao suicídio.

Com a psicanálise, o artista, que foi considerado nas várias épocas antigas como possuído pela divindade, passa a ser visto como neurótico.

Além disso, não se pode deixar de levar em conta o momento histórico, a história individual e a tendência cultural, como influências na formação e no desenvolvimento do caráter do indivíduo.

Para H. Galimberti (comunicação pessoal, 2002), professor de Filosofia e Teoria das Ciências da Universidade de Veneza:

Conhecemos a loucura em duas acepções: como o contrário da razão e como o que precede a própria distinção entre razão e loucura. Na primeira acepção, a loucura é nossa conhecida: ela nasce dos processos de exclusão decorrentes do sistema de regras em que consiste a razão. Onde há regra, há violação, e a história da loucura contada pela psiquiatria e pela sociologia é a história dessas violações. Mas existe uma loucura que não é uma violação, simplesmente porque ela vem antes das regras e das violações; sobre ela não há saber, pois todo saber pertence à ordem da razão que pode colocar em cena o seu discurso tranquilo somente depois que a violência tiver sido banida, quando a palavra for dada à solução do conflito, não à sua explosão, à sua ameaça. Deve-se procurar a origem dessa ameaça lá onde a consciência humana se emancipa da condição animal ou divina que a humanidade sempre sentiu como seu pano de fundo, e da qual ainda se defende temendo uma possível irrupção. Quem conhece essa loucura não é a psicologia, a psiquiatria ou a psicanálise, mas a filosofia que, ao edificar o cosmo da razão, o único que os homens podem habitar, conhece a profundeza do qual o libertou e por isso não fecha o abismo do caos, não ignora a terrível abertura para a fonte opaca e escura que questiona o próprio fundamento da racionalidade, pois sabe que daquele mundo veem as palavras que a razão em seguida ordena de modo não oracular e não enigmático. Realmente, parece que toda palavra pronunciada pela razão, ao longo da sua história, só se torna possível liberando-se, em cada instante, da antiga loucura. Na realidade, não existe nenhum mistério no fundo obscuro daquele abismo que, se olhado do ponto de vista da razão, possa ser chamado de irracional. Se mistério houver, deve-se buscá-lo na capacidade que tem a razão de resistir às forças contrastantes que a subtendem. Forças terríveis porque, sem regras, irrompem com a potência incontível do vulcão que arremessa o seu fogo em direção ao céu, para que não se esqueça de que a ordem da terra tem a duração de um dia. Um dia lúcido que tenta fazer esquecer aquela luz negra e tão pouco natural contra a qual nos defendemos a cada momento para não nos precipitarmos nas trevas da insensatez. No entanto, há quem se faça testemunha dessa insensatez para levá-la às suas mais altas expressões. Este alguém sacrifica a sua mente e coloca a própria palavra a serviço do contrassenso. Precipício de todas as ordens lógicas, máxima vertigem, adeus ao bom senso e às suas ordenadas palavras. Duas servas chegam em socorro à beira do abismo que acaba de se abrir: a psiquiatria, com o seu catálogo de nomes, e a filosofia, que não dispõe de nomes porque, morando desde sempre no abismo, conhece a sua insondabilidade. Karl Jaspers, como psiquiatra, conhece a nomenclatura, toda a nomenclatura, mas como filósofo, evita empregá-la, sobretudo onde a loucura se encaminha e chega aos mais altos cumes da arte. Aqui a patologia atinge a sua essência que não deve ser buscada na doença, mas no sofrimento (pathos) que se torna palavra (loghia). Mas de que palavra será porta-voz a loucura criativa? Neste ponto, as duas servas, a psiquiatria e a filosofia, encontram o seu ponto comum em uma palavra. A palavra é esquizofrenia, a mente (phren) cindida (schizo) em dois mundos, em que um se reflete no outro, de modo que é impossível dizer qual o verdadeiro. Mas o homem, que não teme a profundidade do abismo e que não se defende com terrenos sólidos e seguros, pode ter acesso à esquizofrenia porque é próprio do homem habitar a dimensão fragmentada do ser que, inacessível na sua unidade original, concede-se ao homem somente como dilaceração. Podemos pensar a história como uma tentativa, jamais interrompida, de recompor essa dilaceração, podemos pensar a religião como uma projeção além do desejo de recomposição, devemos pensar na arte e na filosofia como uma proclamação alta e forte da impossibilidade de recomposição desta dilaceração, da qual o homem nasceu como fragmento cindido entre a terra e o céu para dizer toda a sua distância. Neste ponto, a psiquiatria se retira, vermelha de vergonha, e a filosofia permanece ao lado da arte como expressão sintomatológica da condição humana. Sintoma é palavra grega que significa coincidência. Nas suas mais altas expressões, arte e loucura coincidem, por que acontecem juntas (grifo do autor, tradução nossa).

 

A perspectiva de Jung sobre as artes plásticas

Assim como não se pode apreender a totalidade da psique, mas apenas sua expressão nos fatos psíquicos manifestados, a psicologia se apresenta apenas como uma das formas de entendimento do fenômeno criativo. Sob este ponto de vista pode-se analisar, então, o processo psíquico da atividade artística, mas não se pode explicar a essência da obra de arte.

Dentro da própria psicologia existem caminhos diferentes para se entender o fenômeno criativo. Embora haja relatos apontando um relacionamento ambíguo de Jung com a arte, observa-se, por outro lado, seu estreito contato com diversas formas artísticas, como pintura, desenho e escultura. Segundo Jung (1962/1994): "[...] à medida em que eu conseguir traduzir em imagens as emoções que me inquietam, isto é, encontrar as imagens que se escondem atrás das emoções, a paz se instalará [...]" (p. 219).

Jung demonstrou em sua vida um grande interesse por diversas culturas e pela história da arte, interesse que se expressa na pluralidade de imagens que povoaram seu imaginário psíquico, e que nutriram seu gosto pela diversidade da vida simbólica. Para Salza (1987), a ambivalência de Jung com relação à arte se expressa na sua oscilação teórica frente ao papel e a destinação da mesma:

O ressentimento junguiano no confronto do artista, se deve ao fato de que, em primeiro lugar, ao artista é permitido fazer aquilo que ele não pode fazer, porque se propôs, como objetivo, um outro uso do material inconsciente e, em segundo lugar porque só o artista possui a linguagem adequada a transformar as imagens brutas no ouro da arte (p. 81).

Em carta a Aniela Jaffé, em 22 de outubro de 1954, Jung (1930/1982) reafirma os sentimentos acima descritos: "O homúnculus, o artista que habita em mim, tem nutrido ressentimentos de todos os tipos, e pelo que me parece, se sente mal pelo fato de que não lhe coloco em primeiro lugar, uma coroa de poeta" (p. 113).

Jung via nos produtos da função imaginativa do inconsciente autorretratos do que estava acontecendo no espaço interno da psique. A energia psíquica transforma-se em imagem, e esta, quando se configura, traz um significado.

A arte não é um produto psíquico que peça uma compreensão regressiva, mas uma observação prospectiva construtiva. Levar em conta apenas o aspecto regressivo, como forma de explicação, é transformar o processo criativo em processo causal, no qual o interesse pela obra passa para o segundo plano: o artista torna-se um caso clínico.

C. G. Jung (1953/1971):

Este método redutivo [...] quando aplicado a uma obra de arte [...] despe a obra de arte do seu manto brilhante e expõe a nudez e a falta de cor do Homo sapiens [...]. O brilho dourado da criação artística - o objeto original da discussão - extingue-se assim que aplicamos o mesmo método corrosivo que usamos para analisar as fantasias da histeria (CW 15: 103).

Mas, também, a percepção meramente estética frente a certas manifestações artísticas pode ter um caráter reducionista.

C.G. Jung (1960/1976):

Se tem uma atitude cuja disposição é voltada à totalidade, então esta visão funciona mas, se tem a atitude apenas estética, começam as dificuldades porque o esteticismo é uma disposição parcial que protege, apenas permitindo ver a superfície [...]. Estando perdido na percepção da superfície não se terá experimentado nada e se terá perdido o fato na sua inteireza (p. 365-366).

Freud trouxe nova compreensão da questão ao relacionar a obra de arte com a experiência pessoal do artista, mas privilegiou em demasia as condições que precederam a criação da obra, tornando-as mais importantes do que a própria obra. Segundo Dufrenne (1972), o artista expressa sua interioridade no objeto estético, além de obedecer ao apelo da obra em gestação, pois o mundo do qual a obra faz parte precisa do artista para existir: é a obra por si mesma ou o artista por meio dela?

Segundo Jung (1953/1971), o significado da obra e seu caráter são inerentes a ela, pois a obra traz em si sua própria forma, impondo-a ao artista:

A planta não é simplesmente um produto do solo, mas também um processo vivente autônomo que, em essência, nada tem a ver com o caráter de terreno. Do mesmo modo, o significado e a qualidade individual de uma obra de arte é inerente a si mesma e não a suas determinantes extrínsecas. Pode-se descrevê-la como um ser vivo que usa o homem apenas como um meio nutriente, empregando suas capacidades de acordo com suas próprias leis e modelando-se para preencher seus próprios propósitos criativos (CW 15: 108).

Frente à intenção criativa que surge e se desenvolve como uma força autônoma no artista, ele pode reagir de duas maneiras diferentes: a primeira, identificando-se com o processo criativo, isto é, plasmando a obra segundo a sua própria intenção egoica e determinação, seriam, então, obras nascidas da decisão consciente do autor, que utiliza sua capacidade de julgamento mais apurada e escolhe sua expressão com plena liberdade, sobrepondo-a à matéria trabalhada; a segunda, aquela de acolher o processo criativo como uma potência estranha, em que a obra se impõe ao autor, determinando ela mesma a própria forma, não é uma produção do inconsciente pessoal, mas sim do inconsciente coletivo, o artista sente que sua obra é maior que ele e, neste caso, não pode submetê-la a seu desejo, pois é o Self quem fala por meio dela.

Quase se pode dizer que a obra usa o homem como solo nutritivo, modelando-o conforme a sua vontade. O artista seria, então, o instrumento colocado a serviço do movimento criativo que precisa se expressar. De forma poética, Pareyson (1984) fala sobre o caráter autônomo do processo artístico:

Nunca o homem é tão criador como quando dá vida a uma forma tão robusta, vital e independente, ao impor-se ao seu próprio autor. O artista é tão mais livre quanto mais obedece à obra que ele vai fazendo; assim, o máximo de criatividade humana consiste precisamente nesta união de fazer e de obedecer pela qual, na livre atividade do artista, age a vontade autônoma da forma (p. 144).

O processo criativo não pode ser apenas guiado por uma escolha consciente, pois a obra se desenvolve no artista como um complexo autônomo criativo, que emerge do inconsciente e precisa se expressar. Poder-se-ia considerá-lo, portanto, como um processo em que o artista seria possuído por uma força suprema que o envolvesse e o dirigisse. Vincent (1958/1991b) relata em uma de suas cartas o quanto se sente tomado pela sua obra e pelas suas cores, enfatizando a intensidade da força criativa que se impõe:

[...] num certo sentido estou contente por não ter aprendido a pintar... Eu mesmo não sei como pinto; venho sentar-me com uma tela branca frente ao local que me impressiona [...] vejo na minha obra um eco do que me impressionou, vejo que a natureza me contou algo, falou comigo [...] (p. 448, carta 228).

Como o complexo criativo tem as mesmas características que outros complexos autônomos, é importante fazer uma diferenciação entre processo criativo e distúrbio mental. O complexo, em si, não é um fenômeno patológico e, somente em circunstâncias particulares, assim se expressaria. Ele se forma a partir da diminuição da atividade consciente, produzindo um estado alterado que facilita a atividade criativa. A energia subtraída do controle consciente da personalidade produz os complexos. Ao descer às profundezas do inconsciente, o artista entra em contato com aspectos obscuros, se expondo ao movimento regressivo da libido. Na atividade artística o inconsciente é mobilizado, trazendo uma regressão á matriz original, mãe criadora de onde vem a renovação, mas também a possibilidade de destruição. Se o consciente não conseguir assimilar os conteúdos emergentes haverá o risco de psicotização. A realização da obra é o caminho para o retorno à superfície.

O processo criativo consiste em um diálogo constante entre o consciente e o inconsciente. Aqueles artistas que não suportaram o emergir de seus conteúdos profundos sucumbiram ao inconsciente pela fragilidade egoica. Desta forma, a loucura pode ser vista como a invasão de conteúdos do inconsciente no campo da consciência, pela fragilidade egoica, ocorrendo a ruptura com o mundo objetivo.

O pensamento junguiano influencia e se permite nutrir pelos artistas e movimentos artísticos de sua época. O mundo simbólico junguiano é alimentado por duas correntes importantes: surrealismo, (assinalado pela descoberta da psicologia profunda) e o simbolismo. Ambos despertaram na consciência europeia o interesse pelo mundo obscuro (Jaffé, 1964/1983). Assim, a busca pela introspecção, bem como a imersão em um mundo onírico e fantástico, são pontos por meio dos quais giram diversas obras de artistas, tais com Pirandello e Kafka. Observa-se ainda, de acordo com Carotenuto (1997), a influência junguiana em D.H. Lawrence, T.S. Eliott e Herman Hesse.

O artista moderno, diz Jung (1930/1982), em carta a Sir Herbert Read, poeta inglês, que não aprendeu a distinguir entre a sua própria vontade e a manifestação objetiva da psique, o que o leva a contemplar e a traduzir, na obra, as imagens da fragmentação cultural.

A arte do século XX, por exemplo, não cumpriu o seu papel na cultura ocidental, de ser a integração de dimensões psicológicas rejeitadas, como o feminino, o inconsciente, o material, o mal etc., mas ela sofria de atrofia de sentimentos, talvez como uma correção à brutalidade dos tempos. O fator subjetivo nos seus movimentos se exprime em formas exageradas e privadas de gosto.

A pintura traduz em fatos visíveis os motivos predominantes de cada época e, segundo Jung (1953/1970), a expressão de nosso tempo é a angústia e o medo da exploração catastrófica de forças destruidoras. A obra, desta forma, traduz o absurdo, a falta de sentido e de sentimentos, não mantendo diálogo com o observador. A pintura entrega-se a um elemento de desagregação em que tudo é fragmentação e frieza, gerando a não confiança e a ausência de ideias, e podendo aparecer então qualquer coisa.

Jung (1953/1970) analisa manifestações de fenômenos celestes expressos na arte pictórica, como pontos e discos por exemplo, considerando-os compensação psíquica da angústia coletiva. Estes são princípios ordenadores projetados magicamente no céu, surgindo do caos como uma nova possibilidade de organização. Desta forma ele cita algumas obras de artistas, fazendo referências a corpos redondos no céu. Uma delas é o quadro "A noite estrelada" de van Gogh, cujo comentário de Jung (1953/1970) é:

Nele as estrelas são pintadas como grandes discos luminosos, embora os olhos nunca as tenham visto daquela forma. Falando sobre sua pintura, van Gogh usou a expressão "entusiasmo panteístico", chamando-a de "remanescente de uma fantasia apocalíptica" e comparando os discos estelares a um "grupo de figuras vivas que são como cada um de nós". É provável que o quadro derive de um sonho (CW 10: 740, note 7).

O artista exprime as próprias visões criando algo que não revela necessariamente ao espectador alguma correspondência com o mundo real. O artista não se dá conta da projeção de seus conteúdos rejeitados, que expressam também a dilaceração psíquica coletiva.

Jung aborda a arte contemporânea a partir das dinâmicas de compensação e complementaridade, e acrescenta que embora em muitos momentos ela provoque angústia e perturbação no espectador traz, também, a possibilidade do novo. Como o espírito da época está em constante movimento, começa a acontecer uma importante mudança na pintura contemporânea. Surge a necessidade de uma reconciliação consciente da realidade interior do artista com a realidade exterior. Cada obra de arte traz aspectos do mundo exterior, composto pelas leis do mundo interior do artista. A importância das grandes obras de arte não está em suas superfícies, mas em suas raízes, em seus conteúdos míticos.

Assim, o artista deveria estar sempre voltado ao seu mundo e às suas vozes interiores, porque esta seria a única forma de dar expressão ao que a visão mítica indica (Jaffé, 1964/1983). É muito importante o reconhecimento, por parte do artista, do produto espontâneo da sua psique, realidade da qual não pode fugir. Nesta percepção ele se vê como instrumento que se entrega e se deixa plasmar pelas imagens, não renunciando, porém, a dar-lhes uma forma. São estas imagens que propõem um futuro e ninguém melhor do que o inconsciente pode conhecê-lo. O artista não é apenas aquele que representa a realidade, mas um criador e também um educador. As suas obras têm um valor simbólico e traçam as linhas de um desenvolvimento futuro.

Enquanto na psicanálise há o risco da biografia do artista se tornar mais importante do que a própria obra, na abordagem junguiana o perigo seria a consideração da obra apenas como uma convergência de vários arquétipos. Assim, para uma plena compreensão do artista, deve-se levar em conta dados biográficos, arquetípicos e culturais, não privilegiando apenas um ou outro aspecto.

A partir da leitura mais abrangente da atividade artística, pode-se traçar um paralelo entre processo criativo e processo de individuação, em que a obra é o lugar onde o artista trabalha sua própria transformação. Criar para o artista é descobrir e afirmar a própria identidade, dialogando com o inconsciente, fonte de potencialidades e de criatividade humana. Neste esforço individual, ele estabelece contato com as partes mais profundas de seu próprio ser.

Dougherty (1998) fala sobre a importância do fazer arte não apenas sob o ponto de vista estético. Segundo ela, a produção artística pode ser vista como um produto mediador que facilita a compreensão consciente e a apreciação das manifestações inconscientes expressas no trabalho. Existe um potencial reparador no processo artístico. Quando o sujeito vivencia o trabalho como veículo por meio do qual pode dar um sentido maior à sua vida, ele está exposto às dinâmicas arquetípicas de criação e de destruição, tensão de opostos, presentes no processo criativo. De uma outra forma poderíamos dizer que o impulso criativo visto como uma força motriz, condutora do processo de criação, é avassalador e ambíguo. De um lado está a paixão da criação, em seu sentido positivo que gera, plasma e sustenta o produto artístico e, de outro, em seu aspecto negativo, está a patologia, que pode corroer o sujeito e levá-lo à destruição se não há a integração. Dougherty (1998) enfatiza a importância do trabalho artístico dentro do processo de individuação, como expressão do Self.

Nise da Silveira, psiquiatra alagoana pioneira na luta contra a psiquiatria tradicional no Brasil, iniciou seu trabalho no setor de terapia ocupacional do Hospital Pedro II buscando uma forma humanizadora para o tratamento psiquiátrico. Desde sua chegada ao Rio de janeiro, em 1927, começou também a participar de rodas literárias e a conviver com artistas de grande projeção. A partir dos trabalhos de pintura, desenho e modelagem feitos nos ateliers de terapia, ela percebeu a capacidade criativa presente nas fantasias dos doentes e a importância de eles se expressarem por meio destes recursos. Utilizando-se da linguagem simbólica e estabelecendo paralelos com a mitologia, Nise da Silveira pôde compreender que o material que emergia dos trabalhos era sadio, arquetípico, portanto, comum à toda humanidade. Ela nos deixa este grande legado, trazendo-nos a possibilidade de uma leitura mais ampla do potencial terapêutico da atividade artística.

Em julho de 1998, em um encontro em sua residência, ela, aos noventa e três anos, disse-me estar estupefata com as imagens de Vincent que lhe mostrei. Atentamente, observou cada um dos autorretratos. São as várias faces de van Gogh que emergem dos inumeráveis estados de seu ser, expressão dita por Artaud (1988) e utilizada por ela para designar a loucura dando-lhe, não a conotação de patologia, mas procurando situá-la dentro do processo de individuação.

O artista, ao modelar a obra, modela-se a sim mesmo.

Segundo a artista plástica A. A. Albano (comunicação pessoal, 2002):

Perdemos a capacidade de contemplação enquanto cultura. Não contemplamos facilmente, porque nos parece que não estamos realizando nada quando contemplamos. Esquecemos que nossa alma, para prosperar, não pode viver apenas a vida pessoal, necessita um contexto muito mais amplo. Precisa sair regularmente do cotidiano e transitar pela eternidade. Para ela qualquer forma de arte que capture nossa atenção estará nos prestando um grande serviço. Estará nos oferecendo uma oportunidade para a contemplação: nossas vidas são modeladas, não pelas nossas intenções, mas pelas respostas que damos aos convites que nos chegam misteriosamente do destino, através de pessoas e eventos. E eu penso que a arte pode fazer o que a razão não pode, que é nos prover de imagens que nos ajudem a contemplar estes mistérios.

O fenômeno instintivo do criar só se aplaca quando realizado:

Assim, do ponto de vista psicológico, pode-se falar da necessidade de expressão da alma... impulso obscuro, a vocação expressiva não possui entretanto um processo específico de se realizar ao contrário, ela se serve de quaisquer veículos para se exteriorizar (Pedrosa, 1996, p. 210).

No divino furor da arte é o Self que se exprime por meio de conteúdos arquetípicos que afloram, quando então a natureza mais profunda se revela, independentemente da vontade do artista. O pintor vive no fascínio e seu papel consiste em cercar e projetar o que nele se vê. Os seus gestos e traçados parecem emanar das próprias coisas. Entre ele e o visível os papéis se invertem inevitavelmente: a natureza e os objetos lhe olham e lhe falam. O pintor deve ser transpassado pelo universo: "Assim, quando sua visão se faz gesto, através da ação e da paixão tão pouco discerníveis, já não sabe quem vê e quem é visto, quem pinta e quem é pintado" (Merleau-Ponty, 1997, p. 29).

 

Vincent: considerações sobre sua vida, doença e obra

Vincent: era assim que van Gogh assinava as suas obras. Havia um sentimento de não pertencer à família, além de ele achar também que as pessoas não saberiam pronunciar o sobrenome van Gogh. Vincent Willem van Gogh nasceu em Zudert, na Holanda, em 30 de março de 1853. Um ano antes, exatamente no mesmo dia, seu irmão, primogênito da família van Gogh, tinha nascido, só que sem vida. O pintor recebeu o mesmo nome do irmão morto. Filho de família de pastores protestantes pobres, tinha grande dificuldade de relacionamento com pais e irmãos. Sentia-se agredido e rejeitado. Percebia-se um estranho dentro do contexto familiar: "Involuntariamente, tornei-me, na família, uma espécie de personagem impossível e suspeito, pelo menos alguém em que ela não confia; assim, como eu poderia ser útil a alguém?" (julho de 1880) (van Gogh, 1958/1991b, p. 193, carta 133).

Tinha imensa dificuldade em estabelecer vínculos, também, em seus relacionamentos sociais, como pode ser confirmado pela afirmação de Victor Hageman, um colega da Academia de Arte de Antuérpia: "Eu me lembro bem daquele homem castigado pelo tempo, nervoso e impaciente, que caiu inesperadamente na Academia, desagradando ao diretor, ao mestre de desenho e aos estudantes" (Denvir, 1995, p.105).

Embora tenha mantido um estreito relacionamento com sua irmã Willemina, destinatária de cerca de vinte de suas cartas, a afetividade de Vincent concentrou-se mais profundamente sobre a figura de seu irmão Theodorus - carinhosamente chamado de Theo - quatro anos mais moço, e que o ajudou financeiramente durante toda a vida e o apoiou no trabalho. O vínculo entre os dois irmãos era tão intenso que foram mais ou menos oitocentas cartas de Vincent a Theo, no período entre 1872 e 1890. (Walther & Metzegr, 1994) Theo morreu seis meses após a morte de Vincent, reforçando a importância deste relacionamento, assinalado por grandes ambiguidades.

Paralelamente à pintura, Vincent, ao escrever suas cartas, encontrava um momento especial de reflexão e de expressão de seus sentimentos mais profundos. Embora constituir uma família e ter filhos fossem necessidades expressas em seus contatos e cartas, buscava sempre relações fadadas ao fracasso. Em sua fantasia e devaneios, escrevia: "...é um sentimento forte e potente, aquele que o homem sente sentado ao lado de uma mulher que ama, com uma criança em um berço, no canto[...]" (julho de 1882) (van Gogh, 1958/1991b, p. 400, carta 213).

Vincent tinha uma personalidade ambivalente: frágil, amável, humano, mas também agressivo, colérico, instável e impaciente. Estas características o tornava uma pessoa de difícil contato. Era um apaixonado pela natureza, como demonstram suas obras, além de nutrir um forte amor pelo próximo e pelas coisas simples. Estas eram suas forças inspiradoras, que ele valorizava acima da técnica como ressalta em carta de outubro de 1885: "O verdadeiro pintor se deixa guiar pela sua alma" (van Gogh, 1958/1991c, p. 417, carta 426). Através da sua enorme sensibilidade van Gogh expressou, por sinais pictóricos, toda sua dor e angústia de ser e viver. Cada estágio de sua arte, carregava um significado pessoal profundo, refletindo em suas obras as aspirações e rebeliões de sua alma.

Tudo em Vincent era ímpeto religioso. Ele buscava na arte tocar o infinito. Sua vida foi uma constante busca de si mesmo. Encontrou refúgio, em um primeiro momento, numa religiosidade de cunho protestante, baseada em mortificações físicas e privações. Também evangelizou e trabalhou junto a pessoas carentes e sofridas como camponeses, mineiros e tecelões, com os quais parecia identificar-se, como sugerem alguns de seus quadros: "O semeador" (dezembro de 1882), "Os tecelões no tear" (janeiro de 1884), "Os comedores de batata" (abril de 1885) e "Cabeça de velha camponesa com touca branca" (dezembro de 1884).

Vincent não conseguia expressar seus sentimentos apenas em palavras: pintava para se comunicar. Os símbolos e temas expressos em sua tela, sobretudo os da natureza e da vivência humana mais humilde, serão sempre retomados em sua obra. Para Tarkovski (1998), o homem está sempre estabelecendo uma correlação entre si mesmo e o mundo. Há um anseio constante em atingir um ideal que é percebido intuitivamente como princípio fundamental.

Apesar de Vincent ser conhecido pela originalidade de sua obra, ele sofreu influência de vários pintores em diferentes momentos de sua trajetória artística. Sua procura por um aprimoramento artístico levou-o a viver em diferentes lugares. Em 1873 foi para Londres e em 1879 para Cuemes e Borinage. Esteve em Bruxelas em 1880, onde estudou luz e sombra, proporção e perspectiva, com Anthon Gerhard Alexander van Rappard. Em 1881 foi para Etten onde estudou desenhos acadêmicos com Anton Mauve. Esteve em Drenthe em 1883, em Nuenem em 1885 e em Antuérpia em 1886. Já em Paris, em 1886 iniciou seu trabalho no atelier Courmon, indo nos anos seguintes a Arles, St. Remy e Auvers-sur-Oise (Walther & Metzegr, 1994).

Buscou várias formas de sobrevivência e sustento: trabalhou em lojas de arte, estudou e ministrou aulas de línguas e de pintura e preparou-se para cursar teologia, porém nada o envolvia realmente. Sentia-se incapaz de produzir, encontrando-se num estado de profunda desesperança e miséria interior:

É verdade que eu ocasionalmente ganhei meu pedaço de pão, ocasionalmente um amigo o deu para mim por caridade. Eu tenho vivido como posso, como a sorte permite. É verdade que eu perdi a confiança de muitos; é verdade que minha situação financeira está difícil; é verdade que o futuro parece bastante cinzento; é verdade que eu deveria ter feito melhor, é verdade que eu perdi tempo em termos de ganhar meu pão; é verdade que até meus estudos estão em situação não menos desesperadora, e que minhas necessidades são maiores, infinitamente maiores que minhas posses. Mas é isto que você chama de entrar num buraco, é isto que você chama de não fazer nada? (julho de 1880) (van Gogh, 1958/1991b, p. 195, carta 133).

Em julho de 1880, finalmente descobriu-se pintor. Seu trajeto como tal, foi relativamente curto, cerca de dez anos, mas absolutamente intenso. Pintou a maior parte de suas obras durante três anos, em meio a crises e desespero. Vincent sofreu influência de vários pintores e de vários movimentos artísticos. Entre os pintores destacam-se: Millet, por sua afinidade com a temática de camponeses e seu rigor formal; Rembrandt, pelo tratamento que dava à luz; Delacroix, pela expressão através do vermelho e a união de cores complementares entre si; Seurat, pela técnica pontilista; Rubens, por sua simplicidade em expressar sentimentos e pela utilização de cores cada vez mais fortes e luminosas (Walther & Metzegr, 1994).

Vincent expressa características de vários movimentos: do impressionismo, viveu a pintura ao ar livre, a descoberta da luz e sua contraposição na sombra, bem como o uso de cores claras; do simbolismo evocou a realidade interior, misteriosa e profunda em reação ao naturalismo e à tradição impressionista. Inspirou o movimento expressionista buscando na arte figurativa a recuperação da linguagem primitiva: a imagem simplificada e deformada, cujo enfoque é a subjetividade com a recusa de regras.

A partir de Arles, Vincent passou a pintar compulsivamente, estimulado pela paisagem e pelo sol escaldante. Estava bêbado com as cores e suas telas tornaram-se massas amarelas de sóis brilhantes. Ele precisava pintar sem parar para suportar o sofrimento. Poderia não ter nada, nem vender nenhum quadro, mas não poderia ficar sem algo que era maior do que ele: a força e a habilidade para criar. Ele diz: "[...] Os meus quadros não têm valor e me custam, ao contrário, despesas extraordinárias, por vezes sangue e cérebro" (17 de janeiro de 1889) (van Gogh, 1958/1991a, p. 117, carta 571).

Toda sua abertura às experiências mais variadas era expressa em seu trabalho. Sua obra apresenta uma certa homogeneidade temática que se pode sintetizar em duas características: realismo e seletividade. Quanto à primeira, observa-se que aparecem nas obras de Vincent, quase que exclusivamente, elementos do mundo real. Não se veem temas fantásticos, assim como são pouco frequentes os temas do imaginário religioso coletivo.

Vincent dedicou-se a apenas cinco obras referentes a episódios bíblicos e todas elas foram cópias de pintores famosos. São elas: "A ressurreição de Lázaro" e "Meio busto de um anjo", cópias de Rembrandt, feitas em maio de 1890 e setembro de 1889; "O bom samaritano" e por duas vezes "A Pietá", cópias de Delacroix, também pintadas em maior de 1890 e setembro de 1889. Não eram verdadeiras cópias: eram criações originais, baseadas em modelos, recriados sob uma nova luz.

Vincent van Gogh:

Nos tempos de hoje, existe tanta gente que não se sente feita para o público, mas que sustenta e reforça o que os outros fazem... Isto para lhe dizer que não hesito em fazer cópias. Eu gostaria muito, se tivesse tempo para viajar, de copiar o trabalho de Giotto, aquele pintor que seria tão moderno quanto Delacroix, se ele não fosse primitivo, ainda que tão diferente dos demais primitivos (janeiro de 1890) (1958/1991a, p. 248, carta 623).

A presença de Paul Gauguin na vida de Vincent foi de enorme importância, apesar de terem tido um relacionamento conturbado e difícil em função das diferenças individuais, dos traços de personalidade e das divergências artísticas. Foi após um período de dois meses de convivência com Gauguin na mesma casa-atelier, em dezembro de 1888, que Vincent, num ímpeto de fúria, decepou a própria orelha esquerda. Uma das formas de se ampliar o ato da mutilação seria entendê-lo como um sacrifício, que, segundo Jung, poderia significar renúncia a valores - físicos, morais ou materiais. Desta forma aquele que se sacrifica evita ser devorado pela dor, pois doma sua própria vida instintiva ao sacrificar o animal existente dentro de si. Vincent não foi capaz de elaborar este confronto com o instinto e integrá-lo.

A separação de Gauguin naquele momento colocou-o em contato com a própria fragilidade física e emocional. Suas obras passaram a carregar traços da desestrutura, devido a fatores ambientais, constitucionais e intrapsíquicos. Como não houve possibilidade de transformação em função das dificuldades, do uso exacerbado do álcool e das depressões constantes, o ego foi se deteriorando aceleradamente. A fraqueza egoica não conseguiu suportar a ativação poderosa do inconsciente, como assinala Cabanne (1985):

[...] nos seus momentos finais de agonia e desintegração, sua tela tornou-se a natureza inteira retorcida freneticamente, transportada ao cúmulo de exacerbação; a forma transformou-se em pesadelo e a cor transformou-se em chama; a luz fez-se incêndio e a vida, febre escaldante (p. 230).

Por sofrer, no espírito e na carne, crises terríveis que o transformavam em animal selvagem, pegava o pincel para ir mais longe: para se conhecer melhor, para procurar sua verdade. Pintando, tentava dar formas visíveis aos conflitos invisíveis que atormentavam sua alma. Nesta patética desordem, houve uma poderosa resistência à desintegração. Em sua angústia extrema, descobriu uma ordem de cores e formas para suportar a decomposição interna, o próprio caos.

De dezembro de 1888 a julho de 1890 foi acometido por uma série de crises, alucinações e internações. Em carta a Theo, Vincent relatou que durante as crises escutava sons e vozes estranhas: "as alucinações intoleráveis cessaram e se tornaram por hora somente pesadelos" (28 de janeiro de 1889) (van Gogh, 1958/1991a, p. 129, carta 574). Sua obra começou a expressar, quase como um grito de angústia, a própria dissociação interior. No período em que esteve internado em um hospital psiquiátrico, separado do mundo exterior, concentrou-se em si e nas forças psíquicas que o tomavam. Seu traço tornou-se cada vez mais agitado, surgiram movimentos circulares e começou a haver uma grande ênfase no uso das cores. Era o espelho da obsessão maníaca: pintar era preciso, pois era esta a única maneira de estabelecer um contato com a realidade externa. Necessitava exprimir-se com o máximo de intensidade e rapidez como se, a qualquer momento, pudesse ser privado de suas aptidões.

Para Jaspers (1990), existe relação entre doença mental e criatividade artística: arte e loucura coincidem porque acontecem juntas. O momento mais forte da perturbação psicológica é o grau mais alto do desenvolvimento criativo. A partir de dezembro de 1885, Vincent começou a expressar distúrbios físicos agravados pelo consumo de fumo e álcool, bem como por condições precárias de alimentação. Jaspers (1990) considerou como o início da psicose, apesar de ser um momento de intensa criatividade no trabalho. Surgem queixas de insônia e alucinações e há compulsão para pintar embora depois sinta-se esgotado. No início não estão presentes traços da doença na obra, mas com o passar do tempo, observam-se mudanças na intensidade criativa e na autopercepção. A superfície da tela se dissolve em pinceladas de formas geométricas e regulares, que produzem efeitos multiformes e dão aos quadros um movimento inquietante. O uso de cores passa a acontecer de uma maneira diferente para se exprimir com intensidade. As cores ardem e, nos últimos quadros, tornam-se estridentes e cruas. Surgem erros de proporção e deformações. A tensão interior é projetada na tela e, com as crises cada vez mais frequentes, se intensifica o dinamismo do traçado.

Apesar de Vincent nos momentos de lucidez querer entender e dar sentido ao seu sofrimento, surgem cada vez mais sinais de empobrecimento intelectual. Segundo Jaspers (1990), neste momento, as obras não apresentam mais a técnica adquirida, mas a vivência de uma personalidade despedaçada e esquizofrênica, que vai se perdendo até chegar à desagregação e ao exaurimento. Embora não haja uma curva regular com relação às obras mais débeis e a doença, existe uma relação entre o desenvolvimento da psicose e a mudança do modo de vida e de criação. Para Jaspers (1990), era infundada a hipótese de que Vincent sofresse de epilepsia. Poderia tratar-se de esquizofrenia, pois foi possível a Vincent manter o senso crítico e a disciplina, apesar de dois anos de violentas crises psicóticas. Apesar de estabelecer uma relação causal entre o sofrimento psíquico e a criatividade, Jaspers procurou, por meio da filosofia, compreender de uma forma mais ampla o processo artístico.

Para Arnold (1992), Vincent era um homem solitário que trazia sua existência marcada por uma série de incertezas, relacionamentos malsucedidos, crises de debilidade e automutilação. Não era um artista louco, mas um homem que sofria de uma desordem psíquica, com um histórico familiar de doença mental: Theo, seis meses após a morte de Vincent, desenvolveu problema renal, seguido de surto esquizofrênico. Cornelis, também irmão de Vincent, morreu em 1900, provavelmente por suicídio. Willemina teve um colapso mental e permaneceu internada em um hospital psiquiátrico até sua morte. O estilo de vida precário, o uso do álcool e do fumo, a má nutrição, além de várias infecções exacerbaram a fragilidade de Vincent.

Cabanne (1985) fala sobre a estreita ligação de Vincent com o uso do absinto: "...no absinto, o álcool fez a sua aparição, e o pintor, presta assim homenagem a este novo companheiro..." (p. 108).

Para Arnold (1992), Vincent era talentoso e criativo apesar das crises e das doenças. Para ele, existe um paralelo entre genialidade e insanidade em pessoas muito criativas, mas não uma relação causal.

Read (1983) sugere que Vincent sofria de uma psicopatia caracterizada por tensão mental e desequilíbrio, bem como por sentimentos de isolamento e rejeição. Frayse-Pereira (1995), falando sobre o artista bruto, diz que ele traz à tona, das camadas mais profundas da sua psique, aquele ser que todo homem poderia desenvolver se não fosse sufocado pelas convenções de uma sociedade cada vez mais alienada.

A 29 de julho de 1890, Vincent van Gogh suicida-se com um tiro no peito.

 

O processo de individuação

Estou possuído pelos novos prazeres que sinto nas coisas que vejo, porque tenho uma nova esperança de fazer algo que tenha alma (van Gogh, 1958/1991b, p. 452, carta 230).

Para Jung, a individuação é a realização gradual e completa do potencial latente armazenado na psique individual. Seria o diferenciar-se, tornando-se consciente por meio do diálogo entre consciente e inconsciente. Este processo de tornar-se um indivíduo psicologicamente separado, uma unidade indivisível, implica em ser um si-mesmo (o Self).

Individuar-se é tornar-se aquilo que se é, por meio da busca incessante de si mesmo, no reencontro com sua alma e no sentido de vida, orientado por um centro pessoal e transpessoal para a realização de sua totalidade. Os trechos seguintes sinalizam o diálogo interno de Vincent em sua busca por significado existencial:

É preciso conservar algo do caráter natural de um homem da natureza, sem deixar se extinguir a chama interior, e sim cultivá-la ... aquele que escuta e segue esta voz interior, que é o melhor dom de Deus, acabará por encontrar nela um amigo e jamais estará só (31 de abril de 1878) (van Gogh, 1958/1991b, p. 164, carta 121).

A busca constante de Vincent para compreender seus anseios internos traz um grande questionamento sobre quem ele é, sobre a consciência da enorme força que o impulsiona a procura de caminhos, mesmo se deparando com tantas dificuldades.

Existe dentro de mim um outro homem... Tal homem não sabe sempre o que ele poderia fazer, mas ele instintivamente sente: eu sou bom para alguma coisa, minha vida tem uma finalidade, eu sei que poderia ser um homem diferente! Como eu poderia ser útil, para que eu poderia servir? Existe algo dentro de mim, o que seria?... (julho de 1880) (van Gogh, 1958/1991b, p. 198-199, carta 133).

"[...] e é a consciência de que nada (exceto a doença) pode me arrancar esta força que agora começa a se desenvolver" (abril de 1882) (van Gogh, 1958/1991b, p. 333, carta 185).

"Enfim, seja como for, eu quero ir adiante a qualquer custo; quero ser eu mesmo. É que sinto em mim a obstinação e estou acima do que as pessoas possam dizer de mim e de minha obra" (28 de dezembro de 1885) (van Gogh, 1958/1991c, p. 463, carta 442).

"[...] parece-me sempre que eu sou um viajante, que está indo a algum lugar, que tem um destino [...] (agosto de 1888) (van Gogh, 1958/1991a, p. 1, carta 518).

"[...] Não esqueçamos que as pequenas emoções são os grandes timoneiros de nossas vidas, e que as obedecemos sem saber" (setembro de 1889) (van Gogh, 1958/1991c, p. 199, carta 603).

A arte de Vincent expressa uma procura contínua de si mesmo em busca de uma unidade: "[...] procure entender a fundo o que dizem os grandes artistas em suas obras e encontrará Deus nelas" (julho de 1880) (van Gogh, 1958/1991b, p. 193, carta 133).

O homem tem a tarefa de integrar aspiração e tensão interna em um equilíbrio novo que nasce do autoconhecimento. Na ânsia de completar-se o homem passa por diversas etapas e tarefas, que poderíamos chamar de tarefas da primeira e da segunda metades da vida.

A meta da primeira metade é a busca de identidade, bem como a adaptação ao coletivo. A da segunda, ir ao encontro das necessidades internas que deixaram de ser atendidas pela busca de uma adaptação externa, contrabalançando a unilateralidade da primeira fase, por meio de autopercepção, busca de sentido e intencionalidade. Reconhecer e integrar o significado da limitação e da perda, além de ter consciência da própria fragmentação e da própria solidão são condições necessárias à busca de si mesmo.

Agnel (1998) destaca o quanto é importante entender que as manifestações do Self e seus efeitos sobre o ego podem não ser unicamente positivos, e que, muitas vezes, podem ocorrer graves consequências. O processo de individuação pode ser perigosamente imprevisível, profundamente desestabilizante e, por vezes, destrutivo. Ele exige, efetivamente, um ego estruturado que possa suportar as ambivalências. Segundo Anspach (2000): "Por trás de um aparente caos, vislumbra-se a presença de um Self que a tudo orienta. Buscando uma harmonia por vezes dissonante e bipolar [...] (p. 22).

O Self contém aspectos de luz e de sombra, que têm um valor em si mesmo, positivo ou negativo, como polos opostos que coexistem. A experiência do encontro com o Self é, por vezes, terrificante, levando o ego a sentir-se exposto à destruição. Não se sabe, ao certo, se haverá uma transformação, pois o processo não conduz necessariamente a uma reorganização interior, mas sim a uma ampliação de consciência.

A unidade jamais é inteiramente alcançada. É vivida ao longo da existência, como uma aspiração constante. Tornar-se indivíduo é assumir uma posição de confronto consigo mesmo. É ser inteiro, diferenciar-se, mas também dar-se uma colocação específica no coletivo. Individuar-se é importante não somente nos seus aspectos interno e subjetivo, mas também indispensável no processo de relacionamento. Um não pode existir sem o outro embora, algumas vezes, predomine ou um ou o outro. A individuação tem como tarefa o desenvolvimento da personalidade, o que comporta uma certa oposição às normas sociais, mas sem uma desadaptação com relação aos valores coletivos. Para Vincent esse foi um trajeto árduo e inacessível, pois se sentia um estranho, rejeitado e incompreendido. Fechou-se em seu próprio mundo, criando um estado de isolamento Ele pôde expressar em imagens, seu percurso interior com seus conflitos o que dificilmente seria traduzido, na mesma intensidade, somente em palavras.

 

Autorretratos e o mito de Narciso

Segundo De Fonzo (1993), na visão psicanalítica o narcisismo nasce da imagem que o artista tem de si mesmo, que é ligada ao sucesso. O artista transforma a própria figura em imagem, que é aplaudida e quase divinizada. O artista em cada uma de suas manifestações é egocêntrico, é o homem curvo sobre ele mesmo como Narciso, em uma forma introspectiva e especulativa, uma autossatisfação o do olhar-se dentro.

Sob o ponto de vista da individuação, o narcisismo é uma forma de transição psíquica, um processo em curso: nela há uma regressão e uma perda temporária do sentido do eu determinada por uma necessidade interna do sujeito, até então não reconhecida. Na ausência de uma experiência de transformação permanece a fixação caracterizada pela oscilação contínua entre inflação e depressão.

Desde as primeiras relações objetais o outro está presente no desenvolvimento humano. A busca do encontro com o outro nos leva ao autoconhecimento. As falhas deste processo natural constituem os distúrbios narcísicos da personalidade. A relação eu-outro é a condição necessária para a formação da identidade e para a vivência do processo de individuação. Poderíamos dizer que a problemática narcísica nasce por um distúrbio na relação primária, que se reflete na cisão do eixo ego-self. São indivíduos com adaptação ao mundo externo defeituosa, pois se orientam frente a ele com uma atitude baseada apenas na percepção dos seus processos internos. Não há ligação afetiva com o objeto externo, porque não há projeção e sim o tornar-se preso e fechado em seu mundo interior.

O mito nos fala em primeiro lugar sobre a insatisfação e o desejo amoroso que podem conduzir à uma repetição patológica de relacionamentos simbióticos, mas também aponta em direção à liberdade de criar nossas possibilidades existenciais. Na imagem de uma jovem flor, Narciso evoca o ciclo renovador da natureza. Espelhando-se na fonte para encontrar sua imagem refletida, Narciso busca a própria identidade, movido pelo anseio de contato com o mais profundo de seu ser.

O mergulho de Narciso pode ter dois significados: em seu aspecto negativo, poderia constituir uma regressão, uma busca indiferenciada de retorno à totalidade, conduzindo à morte. Do ponto de vista positivo, poderia significar um maior aprofundamento em si mesmo na busca de sua alma, transformando-se. O duplo que encontra é o Self, a totalidade pessoal que é a matriz da identidade. Assim, o tema mítico do espelhamento e da imersão na água sugere a morte simbólica do eu, que pode conduzir à uma ampliação da consciência.

Os autorretratos de Vincent

A elaboração dos autorretratos foi muito intensa e reveladora, tendo sido feita num período de tempo muito curto, cerca de quatro anos. A pintura de retratos tinha para van Gogh grande importância, por que diferente da objetividade da fotografia, permitia a expressão de um mundo interior: "[...] não renuncio à ideia que tenho sobre pintar retratos, pois é uma boa coisa porque lutar, a fim de mostrar às pessoas que existe neles algo além do que um fotógrafo, com sua máquina, pode revelar" (dezembro de 1885) (van Gogh, 1958/1991c, p. 458, carta 439).

Em cada autorretrato ele confirmava a necessidade contínua de exploração de aspectos de seu ego, numa busca incessante da sua própria identidade. Sua tela era não apenas o espelho no qual se interrogava, mas também um laboratório, um terreno de experiências, no qual adotava técnicas em função dos sentimentos que vivenciava. Cada vez que Vincent tentava uma nova técnica, era no seu próprio rosto que o fazia. Seus autorretratos serviam-lhe para aperfeiçoar dados adquiridos ou experiências pessoais, principalmente em se tratando do olhar, na maior parte das vezes perdido no vazio e angustiado.

Segundo Dorn & Sachs (2000), ele pintava a si mesmo não apenas para dar a própria forma às figuras subjetivas, mas para conectar-se após as crises.

Após ter-se automutilado decepando a orelha, o processo de desestruturação interna se acentua, sendo internado por solicitação dos vizinhos, e também por seu desejo, em um hospital psiquiátrico. Além de seu quarto, Vincent possuía um outro quarto-atelier, onde poderia pintar se assim o desejasse. Nem sempre as tintas estiveram disponíveis, pois houve a tentativa de ingeri-las.

Dentro do hospital e totalmente voltado para si mesmo, Vincent procurou reiniciar o trabalho, por meio dos autorretratos, que refletiam sua situação interior. Seus últimos autorretratos foram se tornando o reflexo de um mundo interno que se desintegrava, a crua expressão de uma via sem saída. Pintar-se então funcionava como um agente terapêutico, pois as imagens objetivadas, ainda que sem a consciência de sua significação profunda, davam formas às suas emoções e tornavam as suas figuras internas menos ameaçadoras. Vincent a cada autorretrato não buscava apenas o reconhecimento externo, mas o encontro interno.

Para a análise dos autorretratos de Vincent, decidi considerar as obras em série, mantendo sua cronologia e observando formas e cores. Apenas uns poucos não foram aqui apresentados, ou por serem esboços, ou por não possuírem, à época, autorização documentada para sua publicação, atualmente toda a obra de van Gogh seja de domínio público: apresentamos aqui 38 autorretratos de Vincent, representando quase sua totalidade. Procurei analisar a dialética figura-fundo, na qual se considera cada figura uma projeção de Vincent, atualizada a cada momento de sua vida. Destacando-se do fundo das suas telas, Vincent procurava perceber-se. Na maioria dos autorretratos o fundo é monocromático, permitindo que toda a atenção esteja voltada para a figura. Estas algumas vezes emergem e em outras quase se misturam ao fundo, sem limites, numa luta constante para se diferenciar.

Num tempo muito curto - apenas quatro anos - Vincent fez esses vários autorretratos por diferentes motivos. Um deles era a necessidade do exercício artístico para o aprimoramento de técnicas. Outro era para valorizar-se e buscar sua identidade. Finalmente, havia a impossibilidade de arcar com os custos de um modelo. Por meio da série de autorretratos - da mesma forma que se faz com as imagens que emergem dos sonhos - pode-se observar o seu drama existencial.

Em Antuérpia, no final de 1885, surgem os primeiros esboços dos autorretratos, quando Vincent iniciava a técnica do desenho. São esboços feitos em carvão, com rosto indefinido. Já em Paris, no início de 1886, começam seus primeiros autorretratos a óleo, retratando-se bem apresentado e cuidadosamente vestido, a fim de causar boa impressão e de expressar a persona parisiense, embora tenha sido em um período de intenso sofrimento físico. O fundo é neutro e obscuro, misturando-se à figura ainda indiferenciada. As cores são predominantemente escuras (Figuras 2 a 6).

 

Figura 2. Self-portrait with dark felt hat at his easel, Paris, early 1886, oil on canvas (46.5cm x 38.5cm), Amsterdam, Van Gogh Museum, Vincent van Gogh Foundation. Reproduzida de https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/e/ea/Self-Portrait_with_Dark_Felt_Hat_at_the_Easel22.jpg

 

 

Figura 3. Self-portrait with dark felt hat, Paris, early 1886, oil on canvas (41cm x 32.5cm) Amsterdam, Van Gogh Museum, Vincent van Gogh Foundation. Reproduzida de https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/4/4a/Van_Gogh_Self-Portrait_with_Dark_Felt_Hat_1886.jpg

 

 

Figura 4. Self-portrait with pipe, Paris, early 1886, oil on canvas (46cm x 38cm) Amsterdam, Van Gogh Museum, Vincent van Gogh Foundation. Reproduzida de https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/6/62/Vincent_van_Gogh_-_Self-portrait_with_pipe_-_Google_Art_Project.jpg/837px-Vincent_van_Gogh_-_Self-portrait_with_pipe_-_Google_Art_Project.jpg

 

 

Figura 5. Self-Portrait with Pipe, Paris, early 1886, oil on canvas (27cm x 19cm) Amsterdam, Van Gogh Museum, Vincent van Gogh Foundation. Reproduzida de https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/4/42/Van_Gogh_-_Selbstbildnis_mit_Pfeife.jpeg/699px-Van_Gogh_-_Selbstbildnis_mit_Pfeife.jpeg

 

 

Figura 6. Self-Portrait with pipe and glass, Paris, 1886-7, oil on canvas (61cm x 50cm), Amsterdam, Van Gogh Museum, Vincent van Gogh Foundation. Reproduzida de https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/2/2f/Self-Portrait_with_Pipe_and_Glass28.jpg

 

As cores exercem uma influência profunda sobre nós, provocando-nos sensações, às vezes causando alterações físicas, mobilizando sentimentos mais ou menos agradáveis enfim, atuando psíquica e fisiologicamente, pois cada cor traz em si uma experiência subjetiva, uma certa emoção. As pessoas são estimuladas pelas cores, escolhendo-as e reagindo a elas, embora cada cultura atribua diferentes significados às mesmas. Bach (1990) observou que há relação entre a preferência na escolha de uma cor e o estado de humor. Toda cor em sua tonalidade clara ou escura traz em si um significado que pode ser entendido como positivo ou negativo, indicando diferentes estados de ânimo.

As cores tinham um significado especial para Vincent, que dizia procurar nelas, a vida: "Ao invés de tentar reproduzir exatamente o que tenho frente aos olhos, eu uso as cores de uma forma mais arbitrária para me exprimir com mais intensidade" (sem data) (van Gogh, 1958/1991a, p. 6, carta 520)."

"Mas há algo que eu queria muito te dizer: enquanto pinto, sinto um poder que a cor exerce sobre mim, que eu não sentia antes, coisas intensas e importantes" (15 de agosto de 1882) (van Gogh, 1958/1991b, p. 437, carta 225).

"A cor por si só exprime alguma coisa" (sem data) (van Gogh, 1958/1991c, p. 428, carta 429).

A combinação e a mistura de cores que Vincent fazia eram extraordinariamente surpreendentes e audaciosas. A violência dos contrastes era tamanha que ardia como fogo, chegando onde poucos pintores de sua época tinha ousado chegar. Em seus últimos quadros as cores tornaram-se brutais, refletindo a tensão e o sofrimento interior (Figuras 7 e 8).

 

Figura 7. Self-Portrait, Paris, early 1886, oil on canvas (39.5cm x 29.5cm), Paris, The Hague, Haags Gemeentemuseum. Reproduzida de https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/3/34/Van_Gogh_-_Selbstbildnis.jpeg/850px-Van_Gogh_-_Selbstbildnis.jpeg

 

 

Figura 8. Self-Portrait, Paris, 1886-7, oil on canvas (41cm x 32.5cm), Chicago, Art Institute, The Joseph Winterbotham Collection. Reproduzida de https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/4/4c/Vincent_van_Gogh_-_Self-Portrait_-_Google_Art_Project_%28454045%29.jpg/810px-Vincent_van_Gogh_-_Self-Portrait_-_Google_Art_Project_%28454045%29.jpg

 

Para Vincent, o colorista era aquele que, vendo uma cor na natureza, conseguia analisá-la e dizer, por exemplo, que: "O verde acinzentado é a mistura do amarelo com o preto e o azul, etc. Em outras palavras, o colorista é aquele que sabe encontrar os cinzas da natureza em sua palheta" (31 de julho de 1882) (van Gogh, 1958/1991b, p. 425, carta 221).

Ele dizia que em muitos casos as pessoas, quando falavam de cor, tendiam a confundi-las com o tom, fazendo-o muitas vezes crer que havia mais tonistas que coloristas: "Uma cor escura pode parecer clara ou, ao menos dar aquele efeito, o que é, de fato, uma questão de tom, uma cor permanecerá menos ou mais forte, em função das cores que lhe são vizinhas" (sem data) (van Gogh, 1958/1991c, p. 292, carta 370).

Ao citar Delacroix, cuja influência em suas cores se faz notar, Vincent confirma que é preciso reconhecer, como os antigos, que há na natureza apenas as três cores verdadeiramente elementares - amarelo, vermelho e azul - às quais misturando-se duas a duas, formam três outras cores binárias: laranja, verde e violeta. Estas cores binárias atingirão seu maior brilho, quanto mais se aproximarem da terceira cor primária, não usada na mistura. Assim surgem as cores complementares, que podem se exaltar pela justaposição ou se destruírem na mistura. Mas, se houver a aproximação de cores semelhantes em tons diferentes, haverá não apenas contraste pela diferença de intensidade, mas também harmonia.

As cores vermelho e verde são complementares e simbolizam sentimentos humanos muito intensos. Por meio do uso destas cores, Vincent quis demonstrar as terríveis paixões humanas. Ele expressa a sensação de angústia, na utilização da combinação do amarelo-avermelhado com verde e cinza.

Segundo Chevalier & Gheerbrant (1986), a linguagem dos símbolos não se aprende: ela é descoberta posteriormente como a realidade que já existia dentro de cada um. O azul para Vincent seria a cor das figuras dos camponeses; o cobalto a cor divina, muito bela ao ser colocada em volta dos objetos. Carmim, o vermelho do vinho, era tão quente e alcoólico quanto o próprio vinho. O amarelo, cor muito utilizada por ele, significava o brilho, os raios de sol que esquentavam-lhe a alma e pareciam lhe estimular. Para ele, o uso do branco e do preto era necessário para se obter tons luminosos ou escuros:

[...] conforme meu entendimento, temos que concordar totalmente sobre a função do preto na natureza. O preto absoluto na realidade não existe. Mas, como o branco, ele está presente em quase todas as cores e forma uma infinita variedade de cinzas (31 de julho de 1882) (van Gogh, 1958/1991b, p. 425, carta 221).

Vincent dizia que quanto mais velho, pobre e doente se tornava, mais queria utilizar as cores brilhantes e resplandecentes que o fortaleceriam num momento de grande fragilidade. Desta forma poderíamos afirmar que as cores, além de expressarem os sentimentos daqueles que a utilizam, têm também um caráter curativo. As cores foram tão importantes para Vincent que se poderia dizer que ele se colore e passa a ser parte integrante de sua obra.

No final de 1886, Vincent inicia a utilização de novas técnicas. A partir de seu estágio no estúdio Courmon, seu traçado pareceu tornar-se mais seguro e começou a introduzir o vermelho na face, como Rubens fazia em seus trabalhos. Também começa a fazer uso na mesma época da técnica pontilista de Signac. O rosto começa a se diferenciar do fundo e se torna presente, pois a luz torna-se mais intensa e o olhar, parece fitar o infinito (Figura 9).

 

Figura 9. Three studies for self-portraits, Paris, 1886-7, lead pencil and pen an ink on paper (31.5cm x 24.5cm), Amsterdam, Van Gogh Museum, Vincent van Gogh Foundation. Reproduzida de https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/1/1e/Van_Gogh_-_Selbstbildnisse.jpeg

 

Observando os autorretratos, o que nos chama a atenção, de imediato, são os olhos de Vincent. Alguns escritores os retrataram fielmente. Cabanne (1985) dizia que ele tinha: "Olhos que não se fixavam em nada, mas que abrangiam tudo e que pareciam perder-se no infinito, um olho penetrante, devorador, sincero e vazio; parece ser realmente alienado a cada verdade humana" (p. 268).

Para Artaud (1988): "[...] no fundo dos seus olhos, como que destrinchado por um açougueiro, van Gogh se abandonava sem tréguas a uma daquelas operações alquímicas obscuras que tomaram a natureza por objeto, e o corpo humano por um recipiente ou um cadinho" (p. 34).

Os olhos de Vincent, na maioria dos autorretratos, são da mesma cor do fundo. Eles mostram medo, angústia e parecem evitar um diálogo com o espectador. Fogem do contato com o outro. No final de 1886, retorna ao trabalho com esboços, desta vez mais detalhados e elaborados.

Na primavera de 1887, ainda em Paris, o efeito do impressionismo começa a se fazer presente em suas telas. Utiliza as cores de uma forma mais intensa. Iniciando o uso do azul. Surgem as pequenas pinceladas de cores contrastantes e seus olhos demonstravam uma profunda melancolia (Figuras 10 e 11).

 

Figura 10. Self-Portrait with gray felt hat, Paris, spring 1887, oil on cardboard (19cm x 14cm), Amsterdam, Van Gogh Museum, Vincent van Gogh Foundation. (Denvir, 1995). Reproduzida de https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/f/f7/Vincent_Willem_van_Gogh_108.jpg

 

 

Figura 11. Self-Portrait, Paris, spring 1887, oil on cardboard (19cm x 14cm), Amsterdam, Van Gogh Museum, Vincent van Gogh Foundation. Reproduzida de https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/c/c8/Self-Portrait2.jpg

 

Durante o início do verão surgiu uma nova série de autorretratos, produzidos em um momento de muita angústia. Vincent começa a beber com mais frequência e seu humor torna-se mais instável. Apesar de o olhar ter se tornado novamente desconfiado, surge uma luminosidade em seu rosto.

O fundo, até então escuro e indiferenciado, torna-se mais claro em função das pinceladas horizontais, que vão no decorrer dos autorretratos, criando um halo de luz. A figura e o fundo se misturam no corpo ainda indefinido. Mais uma vez é o rosto que emerge (Figuras 12 a 15). Por quase todo o verão de 1887 surge a próxima série, ainda em Paris, onde o uso do chapéu se faz constante e as pinceladas mais grossas começam a se tornar mais presentes. A face está agora mais clara e a luz que dela se projeta, muito mais intensa. Apesar disto o olhar mostra-se alarmado, oscilando entre o pensativo e o agressivo. Torna-se mais frequente o uso do amarelo e a luminosidade torna-se mais intensa evidenciando-se aqui a influência do impressionismo em suas telas.

 

Figura 12. Self-Portrait, Paris, spring 1887, oil on canvas (41cm x 33cm), Amsterdam, Van Gogh Museum, Vincent van Gogh Foundation. Reproduzida de https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/1/11/Self-Portrait9_Van_Gogh.jpg

 

 

Figura 13. Self-Portrait, Paris, summer 1887, oil on canvas (42cm x 34cm), Amsterdam, Van Gogh Museum, Vincent van Gogh Foundation. Reproduzida de https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/3/30/Self-Portrait7.jpg

 

 

Figura 14. Self-Portrait, Paris, summer 1887, oil on cardboard (42.5cm x 31.5cm), Amsterdam, Van Gogh Museum, Vincent van Gogh Foundation. Reproduzida de https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/f/fe/Van_Gogh_-_Selbsbildnis13.jpeg

 

 

Figura 15. Self-Portrait, Paris, summer 1887, oil on canvas (39.7cm x 33.7cm), Hartford, Connecticut Wadsworth Atheneum. Reproduzida de https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/4/45/Self-Portrait6.jpg/859px-Self-Portrait6.jpg

 

A cor da luz, do ouro, ligada à intuição, é o amarelo. Ele pode expressar a loucura, a intensidade, a ardência e o ultrapassar limites. Nunca se torna escuro, podendo se dizer que quanto maior é a intensidade, maior é a tensão e quanto mais direções e ausência de meta, maior é a dispersão. O amarelo também está ligado à luminosidade à alegria, ao brilho, à refletividade, à dilatação, ao Sol, ao ir em direção ao novo, à necessidade de se liberar de um conflito, encontrando uma via de saída. Para Bach (1990), em seu tom claro, o amarelo expressa perda de energia, de força, e sinaliza situação precária de vida (Figuras 16 a 21).

 

Figura 16. Self-Portrait, Paris, summer 1887, oil on canvas (41.5cm x 31.5cm), Amsterdam, Van Gogh Museum, Vincent van Gogh Foundation. Reproduzida de https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/1/1e/Van_Gogh_-_Selbstbildnis_mit_Strohhut_und_Pfeife.jpeg

 

 

Figura 17. Self-Portrait with straw hat, Paris, summer 1887, oil on canvas (41cm x 31cm), Amsterdam, Van Gogh Museum, Vincent van Gogh Foundation. (Denvir, 1995) Reprodução de https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/2/22/Van_Gogh_-_Selbstbildnis_mit_Strohhut1.jpeg

 

 

Figura 18. Self-Portrait with straw hat, Paris, summer 1887, oil on canvas (40.5cm x 32.5cm), Amsterdam, Van Gogh Museum, Vincent van Gogh Foundation. Reproduzida de https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/5/57/Vincent_van_Gogh_-_Zelfportret_-_Google_Art_Project.jpg

 

 

Figura 19. Self-Portrait with straw hat, Paris, summer 1887, oil on canvas, mounted on wood (34.9cm x 26.7cm), Michigan, Detroit Institute of Arts. https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/9/95/Van_Gogh_Self-Portrait_with_Straw_Hat_1887-Detroit.jpg

 

 

Figura 20. Self-Portrait, Paris, summer 1887, oil on canvas (42cm x 34cm), Amsterdam, Stedelijk Museum. Reproduzida de https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/d/dd/Van_Gogh_Self-Portrait_with_Grey_Felt_Hat_1886-87_Rijksmuseum.jpg

 

 

Figura 21. Self-Portrait with straw hat, Paris, summer 1887, oil on canvas (40.6cm x 31.8cm), Michigan, Detroit Institute of Arts. Reproduzida de https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/a/a8/Van_Gogh_Self-Portrait_with_Straw_Hat_1887-Metropolitan.jpg

 

Já no final do verão de 1887, aparecem pinceladas minúsculas ao redor dos ombros e da cabeça, algumas vezes até invadindo a figura. Há a formação de arcos ao redor de sua cabeça (Figuras 22 a 24).

 

Figura 22. Self-Portrait, Paris, summer 1887, oil on canvas (41cm x 33cm), Amsterdam, Van Gogh Museum, Vincent van Gogh Foundation. Reproduzida de https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/0/01/Vincent_van_Gogh_-_Self-portrait_-_Google_Art_Project_%28nAHHHe2ggxUGyg%29.jpg

 

 

Figura 23. Self-Portrait, Paris, summer 1887, oil on paper (34cm x 25cm), Otterlo, Rijksmuseum Kröller-Müller. Reproduzida de https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/1/14/Vincent_van_Gogh_-_Self-portrait_-_Google_Art_Project.jpg/739px-Vincent_van_Gogh_-_Self-portrait_-_Google_Art_Project.jpg

 

 

Figura 24. Self-Portrait, Paris, fall 1887, oil on canvas (47cm x 35.5cm), Zurich, E. G. Bürhle Collection. Reproduzida de https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/3/3a/Van_Gogh_-_Selbstbildnis_29.jpeg

 

As pequenas unidades de cor expressas nas telas anteriores tornam-se, a partir do outono, pinceladas maiores, verticais e horizontais, criando um certo movimento trêmulo no fundo do qual a face emerge. O fundo apresenta-se então organizado em linhas que configuram um quadrilátero, o qual começa a se curvar, arredondando-se em torno do rosto, sugerindo uma leve emanação de luz. São expressas, em alguns fundos, figuras geométricas como quadrados, círculos e espirais, podendo-se dizer que, por meio da organização do espaço, há uma exteriorização do espaço interno, numa tentativa de reorganizá-lo.

O quadrado simboliza a matéria, o corpo e a realidade, dando forma e limite a um espaço, para que nele possamos nos realizar. O quadrilátero descreve o espaço vital do homem, atendendo à sua necessidade de delimitação e oferecendo-lhe proteção contra o caos. Em seu aspecto positivo, limita e circunscreve, e, no negativo, fecha e aprisiona. O símbolo do quadrado indica a busca pela realização do Self (Riedel, 1996).

Embora a abstração e a geometrização possam ser consideradas uma dissolução e um afastamento do mundo real, elas expressam também uma outra linguagem não convencional carregada de emoção: a linguagem do inconsciente. As figuras geométricas elementares são formas originais nas quais nosso ser se espelha, com suas angústias e possibilidades de realização. Worringer (1953) diz, que as formas abstratas são aquelas nas quais o homem pode encontrar repouso frente à imensa confusão de imagens do mundo.

Em uma de suas cartas a Theo, Vincent relata seu trabalho com círculos baseando-se em figuras ovaladas, para desenhar rostos, como já faziam os gregos:

[...] no desenho por exemplo - esta questão de desenhar a figura começando com o círculo - isto é, usando os planos elípticos como base, é uma coisa a qual os gregos antigos já conheciam e a qual permanecerá válida até o fim do mundo (abril de 1885) (van Gogh, 1958/1991c, p. 366, carta 402).

O círculo nos dá segurança, convidando-nos a caminhar dentro, isto é, a sermos envolvidos. Com sua linha arredondada conduz a si mesmo, é fechado e protege, porém de modo diferente do quadrilátero: de uma forma mais livre, sem ângulos e irregularidades. Ele integra, dá a sensação de pertencer e exclui tudo aquilo que não faz parte. O círculo como símbolo do céu e da eternidade se opõe ao quadrado, que é símbolo da terra, da limitação e da realidade. O redondo, na sua inteireza, forma um centro que centraliza também quem o observa.

A mandala, antiga denominação indiana para o círculo, significava para Jung o processo de individuação. Compreende círculos fechados concêntricos em torno de um núcleo redondo ou quadrado. As mandalas também podem ser observadas como um fenômeno psíquico que aflora em desenhos, sonhos e em certos estados conflituosos compensando uma desordem interior.

Os termos redondo, cíclico e rítmico, são usados para o círculo que no sentido positivo, acolhe o protege, e, no negativo, exclui. O círculo da auréola significa transcendência. A forma circular que designa uma coroa ou força de irradiação é também o símbolo da espiritualidade. A auréola traz o significado do sagrado e do divino, indicando uma irradiação espiritual, como uma luz, a qual poderia significar uma expansão para fora de si mesmo. Ela é usada em santos e seres divinizados, valorizando o personagem (Chevalier & Gheerbrant, 1986).

Vincent usa então cores fortes e contrastantes: expressa a influência do japonismo, técnica muito difundida na época a partir do contato dos impressionistas com gravuras japonesas (Figuras 25 a 28).

 

Figura 25. Self-Portrait, Paris, 1887, oil on canvas (46cm x 38cm), Vienna, Österreichische Galerie. Reproduzida de https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/e/e2/Van_Gogh_-_Selbstbildnis27.jpeg

 

 

Figura 26. Self-Portrait, Paris, late 1887, oil on canvas (43cm x 34cm), Basel, Öffentliche Kunstsammlung Kunstmuseum. Reproduzida de https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/3/38/Self-Portrait_with_a_Japanese_Print18.jpg

 

 

Figura 27. Self-Portrait in a gray felt hat, Paris, late 1887 / early 1988, oil on canvas (44cm x 37.5cm), Amsterdam, Van Gogh Museum, Vincent van Gogh Foundation. Reproduzida de https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/a/aa/Vincent_van_Gogh_-_Self-portrait_with_grey_felt_hat_-_Google_Art_Project.jpg

 

 

Figura 28. Self-Portrait, Paris, fall/winter 1887, oil on canvas (44cm x 35cm), Paris, Musée d'Orsay. Reproduzida de https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/d/d0/Van_Gogh_Self-Portrait_Autumn_1887.jpg

 

Finalizando sua estada em Paris, Vincent fez, no início de 1888, um autorretrato (Figura 29) no qual predominavam outros elementos figurativos. Este foi o primeiro autorretrato em que a figura se destacou totalmente do fundo. Observa-se em sua face a busca de integração da sua cisão interior nas diferenças de luz e sombra. De um lado encontra-se a claridade, do outro o escuro e a depressão. Apesar de os olhos terem sido feitos em uma cor mais escura que a do fundo, parecem não se fixar em nada. O cavalete e a palheta, que anteriormente haviam surgido apenas em seu primeiro autorretrato e, assim mesmo, de uma forma bastante obscura, fazem-se agora presentes, revelando a sua identidade profissional. Ele disse ser este autorretrato a face da morte e o descreveu em uma carta à sua irmã Willemina:

Estando tão ocupado comigo mesmo neste momento, eu quero tentar pintar meu autorretrato, escrevendo. Em primeiro lugar eu quero enfatizar o fato de que uma mesma pessoa pode fornecer temas para retratos muito diferentes. Aqui eu dei uma ideia sobre mim, a qual é o resultado de um retrato que eu pintei no espelho e o qual está agora com Théo. A face pink acinzentada com olhos verdes e cabelo grisalho, a testa franzida e ao redor da boca, rígida, inexpressiva, uma barba muito vermelha, consideravelmente negligenciada e desolada, tendo porém os lábios carnudos, uma blusa azul de camponês feita de linho grosseiro e a palheta com amarelo limão, vermelho, verde-malaquita, azul-cobalto, em resumo, todas as cores na palheta exceto o alaranjado da barba. A figura em contraste à parede branca acinzentada. Você dirá que parece por exemplo, a face da morte... (junho/julho de 1888) (van Gogh, 1958/1991a, p. 437, carta W4).

 

Figura 29. Self-portrait at the easel, Paris, early 1988, oil on canvas (65.5cm x 50.5cm), Amsterdam, Van Gogh Museum, Vincent van Gogh Foundation. (Denvir, 1995) Reproduzida de https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/3/3a/Vincent_van_Gogh_-_Zelfportret_als_schilder_%281888%29.jpg

 

Já em Arles, na primavera de 1888, os autorretratos passaram a expressar o entusiasmo da chegada, surgindo o desejo de identificação com os nativos, por meio do uso do chapéu de palha e das roupas mais simples. É a primeira vez que Vincent se retrata com outros elementos figurativos dentro de um conceito paisagístico. O pintor insere-se na paisagem, não havendo uma distinção figura-fundo. Ele é a própria paisagem. Não se percebe o rosto com nitidez e detalhes, mas são evidentes o corpo, o material de trabalho que carrega e a projeção de sua própria sombra.

A cor amarela se encontra cada vez mais presente como se o sol da Provence estivesse iluminando sua alma e sua tela (Figuras 30 e 31):

Entretanto no presente momento eu pareço diferente, não tenho cabelo nem barba, estou barbeado, com a face limpa. Além disto, meu aspecto mudou do pink cinza esverdeado para o laranja acinzentado, estando sempre sujo, sempre eriçado como um porco espinho, com bastões, cavalete, telas e mais mercadorias. Apenas os olhos verdes permaneceram os mesmos, mas claro que a outra cor no retrato é o amarelo do chapéu de palha, como um camponês e um pequeno cachimbo preto (junho/julho de 1888) (van Gogh, 1958/1991a, p. 438, carta W4).

 

Figura 30. Self-Portrait with straw hat and pipe, Arles, spring 1988, oil on canvas attached to board (42cm x 30cm), Amsterdam, Van Gogh Museum, Vincent van Gogh Foundation. Reproduzida de https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/f/f8/Vincent_Willem_van_Gogh_110.jpg

 

 

Figura 31. The artist on the road to Tarascon, Arles, august 1988, Oli on canvas (48cm x 44cm), Originally in the Kaiser Friedrich Museum, Magdeburg, this was moved with other art treasures to the salt mines at Neustassfurt in 1942, and was destroyed by fire in 1945. Reproduzida de https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/0/07/Vincent_Van_Gogh_0013.jpg

 

No final daquele verão começam a surgir imagens diferentes daquelas pintadas até então: utiliza as cores numa representação realista e se faz como um monge budista, com um mosaico ordenado e o efeito halo ao fundo, num verde monocromático. A cor da natureza, do crescimento, da vivacidade e da inquietude, ligada à função sensação, seria o verde. Ele é associado também a outras qualidades, tais como: vontade, independência e jovialidade, tonicidade e perseverança, constância e despertar de vida. O verde, para Bach (1990), em seu tom claro, pode estar ligado à noção de fatalidade e, no escuro, pode apontar possibilidades de melhora. Neste autorretrato van Gogh utiliza o efeito à luz de vela de tal forma que parece criar uma auréola que o envolve. Mostra-se quase como um santo na imagem desenhada em sua roupa, um samurai guerreiro, aspecto autônomo da psique que irrompe, talvez simbolizando sua luta interior. Representa-se calvo o que, segundo seu relato em cartas, representaria um adorador de Buda, tendo os olhos amendoados e penetrantes, denotando tristeza profunda (Figura 32):

A terceira pintura desta semana é um autorretrato, quase sem cor, em tons cinza em contraste ao fundo de verde malaquita pálido. Eu propositadamente comprei um espelho, bom o suficiente para capacitar-me a trabalhar na minha própria imagem na falta de um modelo (17 de setembro de 1888) (van Gogh, 1958/1991a, p. 438, carta W4).

Eu tenho um autorretrato todo acinzentado. A cor acinzentada é o resultado da mistura do verde malaquita com a matiz alaranjada, no fundo verde malaquita pálido, todo em harmonia com a roupa marrom avermelhada. Mas como eu também exagero minha personalidade, eu destaquei em primeiro plano o personagem de um simples adorador de Buda eterno. Isto custou-me muitos problemas, mas ainda assim eu terei que fazer tudo novamente se eu quero ter sucesso em expressar o que gostaria de dizer. Inclusive será necessário para mim [sic] recuperar algo mais da influência do assim chamado estado de civilização, a fim de ter um modelo melhor, para uma pintura melhor (8 de outubro de 1888, para Paul Gaughin) (van Gogh, 1958/1991a, p. 37, carta 537).

 

Figura 32. Self-portrait, inscribed "À mon ami Paul G.", Arles, september 1888, oil on canvas (60.5cm x 49.4cm), Cambridge, Massachusets, Fogg Art Museum. Reproduzida de https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/8/8e/Van_Gogh_self-portrait_dedicated_to_Gauguin.jpg

 

Os trechos seguintes por vezes repetitivos, abordam o processo natural para Vincent de ir compondo a partir de sua imagem na tela, aspectos da sua interioridade. Vai sendo construído um diálogo expresso em palavras...

"Deveria ser permitido enfatizar minha própria personalidade num retrato, fiz tentando convencer no meu retrato não apenas eu, mas um impressionista em geral, considerando-o como o retrato de um simples adorador de Buda eterno" (outubro de 1888) (van Gogh, 1958/1991a, p. 64, carta 544a).

Eu acabei de pintar meu autorretrato em minha própria cor cinzenta e a menos que nós sejamos pintados em cores, o resultado não é nada próximo a uma coisa agradável. Justamente porque eu tive uma quantidade terrível de problemas em conseguir a combinação acinzentada e os tons pink-acinzentados, eu não pude gostar do retrato em preto e branco (setembro de 1888) (van Gogh, 1958/1991a, p. 46, carta 540).

Algum dia você também verá meu autorretrato, o qual estou enviando para Gauguin, porque ele o guardará, espero. Ele é todo acinzentado num contraste pálido (não amarelo). As roupas são este casaco marrom com a borda azul, mas eu exagerei o marrom para roxo e a largura da borda azul. A cabeça é modelada em cores leves pintadas numa pincelada grossa em contraste ao fundo leve e com poucas sombras. Eu apenas fiz os olhos levemente amendoados como os japoneses (outubro de 1888) (van Gogh, 1958/1991a, p. 66-67, carta 545).

Em dezembro de 1888, fez um autorretrato (Figura 33) anterior à mutilação da orelha, cuja expressão de tensão pode ser observada na figura. As cores são fortes e ácidas.

 

Figura 33. Self-portrait, inscribed "À l'ami Laval", Arles, december 1988, oil on canvas (46cm x 38cm), New York, private collection. Reproduzida de https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/c/c6/Van_Gogh_-_Selbstbildnis34.jpeg

 

Em janeiro de 1889, ainda em Arles e após ter cortado a orelha esquerda, surge uma nova série de autorretratos, mais elaborados, cujo objetivo parecia ser mostrar-se com um bom aspecto. O primeiro deles apresenta um fundo com figuras japonesas e seu cavalete em seu quarto. O outro parece trazer sua imagem imersa num fundo de cor avermelhada, expressando sua agitação interior, com a fumaça de seu cachimbo e uma linha horizontal, como se ele buscasse maior estabilidade interior. A cor do sangue, do fogo e da paixão ligada à função sentimento, é o vermelho. Simboliza o princípio de vida e de morte, podendo ser vista como um aspecto divino e masculino. Possui um poder centrífugo, luminoso como o sol, que lança uma luz sobre todas as coisas. Estaria relacionada à conquista e potência sexual. Apesar da figura se destacar totalmente do fundo, o olhar do primeiro parece vazio e perdido e o do segundo mostra-se mais introspectivo. A partir deste momento tornam-se mais frequentes as suas fantasias persecutórias (Figuras 34 e 35).

 

Figura 34. Self-portrait with a bandaged ear, Arles, january 1889, oil on canvas (60cm x 49cm), London, Courtald Institute Galleries. Reproduzida de https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/f/f0/VanGogh-self-portrait-with_bandaged_ear.jpg

 

 

Figura 35. Self-portrait with pipe, Arles, january 1889, oil on canvas (51cm x 45cm), London, private collection. Reproduzida de https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/a/a4/Vincent_Willem_van_Gogh_106.jpg

 

Após seis meses e já em St. Rémy, em pleno verão de 1889, são feitos os seus penúltimos autorretratos dentro do hospital psiquiátrico (Figura 36), num momento de muita angústia e fragmentação interior. Os dois autorretratos desta série expressam toda esta cisão, além da melancolia, desespero e miséria interior. A pincelada torna-se densa e pesada, o olhar interrogativo e perdido. A imagem começa a desmaterializar-se e a incorporar-se ao fundo que novamente se torna neutro, embora ainda possa ser observada a auréola em torno ao vulto. A sua imagem é de uma palidez chocante, suas cores são escuras e macabras e a sua crise é expressa na segmentação do traçado. A palheta está presente porque talvez o seu trabalho fosse ainda a única referência de contato com o mundo externo:

Estou trabalhando em dois autorretratos neste momento - querendo um outro modelo - porque é mais do que tempo de fazer um pequeno trabalho figurativo. O primeiro, eu comecei no dia em que eu acordei. Estava magro e pálido como um fantasma. É um forte azul violeta e a cabeça esbranquiçada com cabelo amarelo, de tal forma a ter um efeito colorido (setembro de 1888) (van Gogh, 1958/1991a, p. 201-202, carta 604).

Claro que é verdade que no escuro eu posso confundir azul por verde, o lilás azulado por lilás pink, por você não distinguir certamente a qualidade do matiz. Mas é a única maneira de conseguir se livrar das cenas noturnas convencionais com suas pobres luzes amareladas, ao passo que uma vela simples já nos dá o mais rico amarelo e a tonalidade laranja. Eu também fiz um novo auto-retrato como estudo, no qual pareço um japonês. (8 de setembro de 1888) (van Gogh, 1958/1991a, p. 444, carta W71).

 

Figura 36. Self-portrait with palette, Saint-Rémy, august-september 1889, oil on canvas (57cm x 43.5cm), New York, collection of Mrs. John Hay Whitney. Reproduzida de https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/1/18/Vincent_van_Gogh_-_Self-Portrait_-_Google_Art_Project_%28719161%29.jpg

 

A partir deste momento Vincent segue outra orientação na direção de sua figura, passando a mostrar a orelha direita e não a machucada, o que sugere uma dificuldade de confronto com a mutilação. Levando-se em conta a orientação da figura em termos de direita ou esquerda, observa-se que não há uma diferença significativa na frequência da escolha de um dos lados. Cronologicamente, nota-se que seus seis primeiros autorretratos orientam-se à direita e depois, os oito seguintes, à esquerda. Houve a seguir um período onde não foi possível caracterizar esta escolha, pois não existia uma frequência definida, ora se orientando à direita, ora à esquerda. Nos últimos autorretratos foi retomada a frequência de escolha original, ou seja, inicialmente foram orientados à direita e posteriormente retornando à orientação à esquerda.

Para Bach (1990), o movimento à esquerda indicaria a dúvida, o desconhecido, o obscuro e a própria morte, enquanto que à direita seria o retorno ao conhecido, à vida. Nos dois últimos autorretratos (Figuras 37 e 38), Vincent orientou sua figura à esquerda: a orelha mutilada mostra-se perfeita, pois o que se via na verdade era sua orelha direita e não a esquerda.

 

Figura 37. Self-portrait, Saint-Rémy, september 1889, oil on canvas (65cm x 54.5cm), Paris, Musée d'Orsay. Reproduzida de https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/b/b2/Vincent_van_Gogh_-_Self-Portrait_-_Google_Art_Project.jpg

 

 

Figura 38. Self-portrait, Saint-Rémy, september 1889, oil on canvas (40cm x 31cm), Switzerland, private collection. Reproduzida de https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/7/71/Vincent_Willem_van_Gogh_102.jpg

 

Este foi um período de grande desestrutura interior e sofrimento, a partir de maio de 1889 até sua morte em julho de 1890. Em sua obra começam a surgir novos temas e as cores tornam-se mais intensas. As espirais surgiram em várias obras de Vincent a partir de St. Rémy. Esta forma geométrica é a mais livre das figuras fundamentais, significando a evolução além de si. Pode ser vista como símbolo de uma nova consciência. Em sua forma expansiva seria o movimento de energia do interno para o externo e, na forma de concentração, o movimento do externo para o interno. Desde os tempos antigos o homem distingue duas formas de espirais: do centro, no sentido anti-horário, estaria ligada à origem, ao passado e à morte; e, do centro, no sentido horário, dirigido ao futuro, à evolução e à expansão. Em seu aspecto ascendente significaria transcendência e espiritualidade, enquanto que no descendente estaria ligada à profundidade e ao corpo. Nos autorretratos as espirais são utilizadas nos dois sentidos.

O movimento espiral pode ser considerado como símbolo do processo de individuação, já que diferentes níveis de consciência vão sendo conquistados. As espirais significam fases de introversão e extroversão cujo caráter positivo seria a capacidade de ir além: no aspecto negativo, a capacidade de exagerar e de ser excessivo. A espiral, o quadrado e o círculo são formas com as quais o ser humano compreende, contém e dá forma à vida e às suas emoções.

O último autorretrato, feito alguns dias após o anterior, retoma um Vincent jovem, embora a tristeza do olhar aponte a sua verdadeira realidade. Esta obra foi dada de presente à sua mãe. Observa-se que este último autorretrato é parte figurativa de uma outra obra de Vincent: "Quarto de Vincent em Arles", feita em setembro, onde aparece pendurado sobre a cama ao lado do retrato de sua irmã, pintado por ele. Ele tinha o desejo de que esta obra, também presenteada à sua mãe, permanecesse no mesmo ambiente do autorretrato, a fim de que fossem mutuamente valorizados:

Agora posso lhe dizer que aquilo que prometi está quase pronto - um estudo de paisagem, um pequeno autorretrato e um estudo de interior. Mas eu receio que você ficará desapontada e que este lote de pinturas poderá parecer feio e sem importância. Willemina e você podem fazer o que quiserem com eles... Eu apenas tento formar um conjunto de coisas e preferiria que elas permanecessem juntas, a fim de se tornarem mais importantes com o decorrer do tempo" (sem data) (van Gogh, 1958/1991a, p. 204, carta 604).

Nesta época o hospital passa a ser seu mundo e sua referência surgindo como tema em alguns quadros, tais como "Campo de trigo atrás do hospital" de setembro de 1889, "Retrato de um paciente do hospital" e "Árvores no jardim do hospital" de outubro de 1889.

Surgem também neste momento outros temas, como campos de trigo, a terra, o sol, o uso do amarelo torna-se muito mais frequente. O traçado às vezes está mais segmentado. Exemplo de obra deste período: "Oliveiras com céu amarelo e Sol" de novembro de 1889. "A ronda dos encarcerados" - de fevereiro de 1890 - expressa um mundo claustrofóbico e sem saída. As linhas irregulares, as cores mais fortes e contrastantes, as pinceladas mais curvas, sugerem sua turbulência e agitação interiores. O espectador parece exposto a uma sensação de constante inquietação ao olhar seus quadros.

São obras deste período, "Os bêbados", de fevereiro de 1890, "A igreja de Auvers", "Casa do teto de palha", e "Retrato do Dr. Gachet", de junho de 1890.

Seguem-se momentos em que o desespero e a angústia são imensos, como pode ser observado na obra "Velho desesperado", de maio de 1890. A morte agora está mais próxima e surgem obras significativas deste momento, tais como "O jovem com a flor" e "As duas crianças", ambas de junho de 1890, representando em si aspectos tanto opostos quanto complementares. "O jovem com a flor" é o retrato da própria loucura carregando em si o jovem e o novo e também o rígido e cadavérico. "As duas crianças" mostra crianças envelhecidas e de feições antagônicas.

Também a morte se expressa nos corvos e nas raízes expostas, como pode-se observar em "Campo de trigo com corvos", de junho de 1890 e em "Raízes e troncos de árvore", de julho de 1890, tida como sua última obra.

A fascinação de Vincent pelos opostos claro-escuro, luz-e-sombra, vai além do treino artístico. Das minas escuras e do isolamento a que se impôs na juventude ele emergiu nas luzes da Provence. No processo de individuação há o confronto interno de forças opostas que são orientadas pelo Self, centro da totalidade psíquica, em busca de uma integração. Em suas telas, Vincent não desejava que suas figuras fossem academicamente corretas. Seu desejo, ao contrário, era aprender a fazer alterações, anomalias e remendos na realidade, não como um observador que controla as percepções e os pensamentos, mas como um criador cujas emoções exigem expressão. Sua obra jamais se encaixou num único movimento artístico. Seu estilo único se alterava também de acordo com seu instável estado de espírito. É impossível dissociá-lo de sua obra, pois entre suas sensações e a tela não havia intermediários. Nela se projetavam e se expandiam seus estados de alma.

Vincent era um homem atemporal, servindo a um apelo coletivo de romper com a tradição de uma época. Seu olhar, em muitos momentos vazio, em outros, desesperado, também parecia expressar o transcendental, como se ele estivesse conectado a algo maior do que a visão pode abarcar. Transgredindo as normas, inovando-as, transcendendo-as, ele nos põe em contato com a ebulição de seu mundo, inflamando-nos e transportando-nos para além da realidade.

O caminho de individuação é dinâmico: os aspectos vão sendo retomados, em diferentes níveis de consciência. Por não ser um processo linear, existem momentos de maior ou menor integração, fases de maior investimento de energia frente ao mundo externo, e outras fases de depressão e de melancolia, voltadas ao mundo interior. Assim, os autorretratos de Vincent mostram tanto momentos de organização interna, quanto outros de grande desestruturação.

Segundo Merleau-Ponty (1997), a vida do artista encontra equilíbrio apoiando-se na obra ainda futura. Assim, a vida e a obra são uma única aventura. Este foi o caminho de Vincent, demarcado por seus autorretratos. Foi o retrato de um homem que viveu intensamente, se arriscou e naufragou sua razão, trocando sua vida pelo refinamento de sua arte, na absoluta fidelidade a si próprio e no compromisso de sua paixão.

 

Considerações finais

A visão de loucura reflete a dicotomia nos conceitos de certo/errado, racional/irracional, loucura/sanidade. A concepção ocidental de modelo científico é baseada no princípio de causalidade, cuja explicação dos fenômenos mostra-se, por vezes, insuficiente e unilateral. São inúmeros os aspectos da experiência humana que por sua complexidade e subjetividade não podem ser entendidos por esta forma de pensar. Assim, vivemos sob o paradigma do racionalismo científico representado pelo pensamento cartesiano. Ao se adotar uma abordagem racionalista corre-se o risco de excluir os aspectos subjetivo e simbólico dos fenômenos.

Segundo R. Gambini (comunicação pessoal, 2002):

Não estaria Vincent, nas repetidas vezes em que se autorretratou, tentando compreender e aplacar a infinita agonia que o assolava, a dor de ser, o espanto de sentir sua própria subjetividade espalhada sobre campos de trigo, cadeiras, girassóis e botinas velhas? Não estaria ele tentando decifrar o que é isso que os outros, os normais, chamam de realidade, que para ele, enquanto percepção e consciência, talvez fosse uma experiência excruciantemente solitária? Ou ainda mais: não poderia ter ele esperado, vagamente desejado ou intuído, que alguém, alguéns, em algum tempo futuro depois de sua partida, se detivesse um minuto sobre seu olhar para compreender e amar sua pobre rica doce amarga alma perdida nos estados raros e inexplicáveis do ser? Sim, creio.

Sócrates e Platão diziam haver um outro lado da loucura, considerado dom especial e libertação divina dos meios ordinários do homem. Nos tempos modernos, estados psíquicos de grande riqueza podem ser caracterizados como mórbidos. Faltam referências que ajudem a dar significado às frustrações, sonhos e desejos.

A saúde psíquica poderia ser vista como a capacidade do ser humano de viver o próprio destino e aceitá-lo. Os sintomas não constituem a doença, mas se manifestam como estados múltiplos de desmembramento e de transformação. Poderíamos vê-los como tentativas do organismo psíquico para atingir um novo nível de integração. Nos momentos de dissociação da personalidade vê-se apenas caos e fragmentação, dificilmente se levando em conta as riquezas guardadas nas profundezas do mundo interior. Revela-se, também, no momento de desintegração psíquica, o surgimento de forças ordenadoras, como tentativa de restauração da psique. Estas são forças autocurativas que tentam vencer o ego cindido e inundado pelo inconsciente. Mesmo que as circunstâncias para o artista sejam tais que ele esteja com a condição psicológica reduzida ao mínimo, suas possibilidades expressivas não serão necessariamente restringidas: na arte dos alienados pode haver um reservatório de saúde na liberdade de criação.

Merleau-Ponty (1997) faz uma crítica à ciência moderna cega e unilateral, fazendo uma reaproximação entre a ciência positivista e a filosofia, com novas possibilidades de reflexões e aprofundamentos: "A filosofia que ainda está por fazer é a que anima o pintor num instante em que a sua visão se faz gesto, quando ele pensa pictoricamente" (p. 26). A arte no cotidiano de um psicoterapeuta tem um lugar privilegiado e quase secreto. As obras que ele escolhe para criar, guardar, visitar ou reproduzir, permitem-lhe refletir e recolher-se a fim de reencontrar e experimentar o que está nas profundezas dele mesmo, sejam seus sentimentos pessoais ou o saber coletivo impresso na obra. Da mesma forma, o imaginário psíquico do terapeuta, povoado de imagens que o interrogam, se abre para o cliente no desenrolar de seu processo interior, na escuta de seus sonhos e no compartilhar de suas imagens.

Em meu trabalho clínico no consultório com adultos e adolescentes, além do material gráfico que já utilizava, incluí o cavalete, as tintas, a palheta e os pincéis como recursos disponíveis para utilização do cliente. Propor-lhes a pintura como forma de expressão é possibilitar-lhes, a partir das imagens simbólicas, dar forma a seus desejos e emoções. A utilização de técnicas expressivas dentro de um processo analítico pode facilitar a elaboração dos símbolos por meio da vivência dos mesmos. Ao representar na tela suas experiências interiores a pessoa transforma-se, por vezes acelerando o processo psicoterápico.

Jung (1958/1966) dizia que no momento em que o paciente se expressa por meio do pincel, torna-se ativo, passando também a executar e não apenas a falar. Além disso, na execução da tela, há uma contemplação cuidadosa e constante e, por diversas vezes, a libertação de um estado psíquico deplorável:

O paciente pode tornar-se criativamente independente por meio desse método, se é que posso chamá-lo assim. Ele já não depende mais dos seus sonhos, nem do conhecimento do médico; ao contrário, ao pintar-se, ele dá forma a si mesmo. Pois o que ele pinta são fantasias ativas - que estão ativas dentro de si. E o que está ativo dentro dele é ele mesmo, mas já não mais no sentido equivocado anterior, quando considerava que o seu ego pessoal e o seu Self eram uma e a mesma coisa; é ele mesmo em um sentido novo e até estranho, pois seu ego agora parece como um objeto daquilo que age dentro dele. Em incontáveis imagens, o paciente esforça-se por entender esse agente interior, apenas para descobrir no final que ele é eternamente desconhecido e estranho, a fundação escondida da vida psíquica (CW 16: 106).

Jung (1953/1971) relata a utilização da pintura em sua prática clínica como uma das formas de entrar em contato com o inconsciente:

Como este "dentro" é invisível e não pode ser imaginado, mesmo que ele possa afetar a consciência de maneira pronunciada, eu induso aqueles meus pacientes que sofrem dos efeitos desse "dentro" a reproduzi-lo de forma pictórica da melhor maneira que puderem. A finalidade desse método de expressão é tornar os conteúdos inconscientes acessíveis, e assim aproximá-los da compreensão do paciente. O efeito terapêutico disso é impedir a perigosa cisão entre esses processos inconscientes e a consciência (CW 15: 207).

Uma das funções mais importantes da arte na prática psicoterápica é a revelação do inconsciente por meio da linguagem simbólica. O essencial inicialmente não é a interpretação, mas a experimentação.

A linguagem dos mitos, nos permite experimentar a vida da alma de uma outra forma, levando-nos à reflexão e ajudando-nos a ultrapassar os limites e condicionamentos do nosso tempo e da nossa cultura. Ela nos permite integrar o dualismo e buscar uma visão mais profunda da realidade superando a fragmentação do conhecimento.

C. G. Jung (1962/1994):

Na realidade, nossa vida, dia após dia, ultrapassa em muito os limites da nossa consciência e, sem que saibamos, a vida do inconsciente acompanha a nossa existência. Quanto maior for o predomínio da razão crítica, tanto mais nossa vida empobrecerá. E quanto mais formos aptos a tornar consciente o que é mito, tanto maior será a quantidade de vida que integraremos. A superestima da razão tem algo em comum com o poder do estado absoluto: sob seu domínio o indivíduo perece (p. 357).

A busca de Vincent em se retratar ocorre como se ele procurasse uma moldura para dar forma aos seus conteúdos internos, colocando-os em contato com a realidade exterior. Suas obras foram influenciadas pelos seus estados de alma. Assim, ao dar forma às suas imagens internas, Vincent ao mesmo tempo projetava sua fragmentação e busca preservar sua sanidade. Ele emoldurava-se.

 

Referências

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Recebido: 27 mar 2018
1º revisão: 07 ago 2018
Aprovado: 20 set 2018
Aprovado para publicação: 7 nov 2018

 

 

Minicurrículo: Denise Diniz Maia - Psicóloga clínica, com especialização em terapia psicomotora e cinesiologia psicológica, com base na abordagem junguiana e em arte integrativa e recursos expressivos utilizados na clínica. Analista didata do Instituto Junguiano de São Paulo (IJUSP); membro da Associação Junguiana do Brasil (AJB); filiada à International Association for Analytical Psychology (IAAP/Zurich). Diretora administrativa e de comunicações do IJUSP no biênio 2014/2016; coordenadora do grupo de estudos psicológicos da criança do IJUSP; coordenadora do Núcleo de Assistência Social do IJUSP-NAS; membro da Comissão de Ética. Exerce trabalho clínico com crianças, adolescentes, adultos e orientação de pais. E-mail: denise.diniz@gmail.com
Conflito de interesses: A autora declara não haver nenhum interesse profissional ou pessoal que possa gerar conflito de interesses em relação a este manuscrito.