ARTIGO DE REFLEXÃO
DOI: 10.21901/2448-3060/self-2024.vol09.204

 

Transtorno de personalidade borderline: uma aproximação a partir do itã de Nanã e Obaluaê

 

Borderline Personality disorder: an approach from the itã of Nanã and Obaluaê*

 

Trantorno de limítrofe de personalidad: una aproximación a partir de una itã de Nanã y Obaluaê**

 

 

Renata Felix CANAL

Universidade Metodista. São Paulo, SP, Brasil

 

 


RESUMO

Este artigo teve como objetivo aprofundar os estudos sobre o transtorno de personalidade borderline, do ponto de vista da psicologia analítica, e compreender a dinâmica da psique nos pacientes portadores de tal condição, por meio da ampliação da mitologia africana. A partir do estudo de autores junguianos e pós-junguianos, foi feito um paralelo simbólico do atendimento de pacientes com transtorno de personalidade borderline, por meio dos itãs (histórias) iorubás dos orixás Nanã, Oxalá e Obaluaê, apresentando ainda a ausência paterna de Oxalá e o aspecto guerreiro de Obaluaê. Iemanjá foi trazida como o aspecto materno positivo, da Grande Mãe, sendo ela a figura que acolhe e cuida do filho rejeitado, permitindo a ampliação e a correlação entre as figuras da mãe e do terapeuta. A mitologia africana, diferentemente da grega, pode ser vivida e experienciada, seja na clínica, no centro de umbanda ou no terreiro de candomblé. Apesar de o Brasil ser um país diverso e plural, o preconceito e o racismo sobre as religiões de matrizes africanas permeiam e atravessam a coletividade. Estudar e experenciar os mitos é acessar uma possibilidade de transformação.

Descritores: personalidade antissocial, psicologia junguiana, automutilação, mitos.


ABSTRACT

The objective of this paper was to deepen the study of the borderline personality disorder, from the point of view of analytic psychology and to understand the dynamics of the psyche of patients with this condition, through amplification of African Mythology. Based on the study of Jungian and post Jungian authors a symbolic parallel was established between the care of patients with borderline personality disorder, using the Yoruba itãs (stories) of orishas Nanã, Oxalá and Obaluaê, exposing the paternal absence of Oxalá and the warrior aspect of Obaluaê. Iemanjá was brought about as the positive maternal aspect of the Great Mother, representing the figure who gives refuge and takes care of the rejected son, allowing for the amplification and the correlation between the figures of the mother and the therapist. Unlike Greek mythology, African mythology, can be lived and experienced in the clinic, in the Umbanda center or in the candomblé terreiro (temple). Despite Brazil being a diverse and plural country, prejudice and racism towards African religions permeate and transverse the community. Studying and experiencing those myths is like accessing the possibility for transformation.

Descriptors: antisocial personality, Jungian psychology, self-mutilation, myths.


RESUMEN

El objetivo de este trabajo fue profundizar los estudios sobre el trastorno limítrofe de personalidad, desde el punto de vista da psicología analítica y comprender la dinámica de la psique en pacientes portadores de tal condición, por medio de la ampliación de la mitología africana. A partir del estudio de autores junguianos y posjunguianos, se realizó un paralelo simbólico de la atención de pacientes con trastorno limítrofe de personalidad, por medio de los itãs (historias) yorubás de los orixás Nanã, Oxalá y Obaluaê, también presentando la ausencia paterna de Oxalá y el easpecto guerrero de Obaluaê. Se trajo a Iemanjá como el aspecto materno positivo, de la Gran Madre, siendo ella la figura que acoge y cuida al hijo rechazado, permitiendo la amplificación y la correlación entre las figuras de la madre y del terapeuta. La mitología africana, a diferencia de la griega se puede vivir y experimentar tanto en la clínica, en el centro de umbanda o en el terreiro (templo) de candomblé. A pesar de que Brasil es un país diverso y plural, los prejuicios y el racismo hacia las religiones de matrices africanas impregnan y están arraigadas en la colectividad. Estudiar y experimentar los mitos es acceder a una posibilidad de transformación.

Descriptores: personalidad antisocial, psicología junguiana, automutilación, mitos.


 

 

Introdução

Em atendimentos clínicos, muitas vezes, é possível observar intensos e avassaladores sofrimentos em alguns pacientes que, diante da ameaça do abandono, podem apresentar uma forte ansiedade, impulsividade, tendência a comportamentos compulsivos e abuso de substâncias, na tentativa de minimizar tal sofrimento. Esses pacientes podem, inclusive, apresentar ideação suicida e realizarem autolesões. Corpo e psique fundem-se de maneira bastante primitiva.

Desse modo, este artigo refletiu sobre aspectos relacionados a pacientes com transtorno de personalidade borderline, utilizando como método a pesquisa teórica, interpretada à luz do referencial acadêmico da psicologia analítica e da ampliação da mitologia de matriz africana.

Para isso, analisou-se pacientes que apresentavam essa condição, apontando para suas necessidades específicas, ampliando o papel do terapeuta e a relação de contratransferência e utilizando itãs iorubás - histórias da mitologia de matriz africana - dos orixás Nanã, Oxalá e Obaluaê.

A figura de Iemanjá aparece como o aspecto materno positivo, representada no processo de transferência do analista, que acolhe e cuida de Obaluaê, permitindo uma correlação entre as figuras da mãe e do terapeuta.

 

Transtorno de personalidade borderline

De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - DSM-V (American Psychiatric Association [APA], 2014) e a Classificação Internacional de Doenças, 11ª edição (World Health Organization [WHO], 2022), o transtorno de personalidade borderline tem como características um padrão generalizado de instabilidade e hipersensibilidade nos relacionamentos interpessoais, instabilidade na autoimagem, flutuações extremas de humor e impulsividade. O diagnóstico dessa condição é feito a partir de critérios clínicos e o tratamento é realizado com psicoterapia e fármacos.

Pacientes com transtorno de personalidade borderline não toleram estar sozinhos, fazem esforços frenéticos para evitar o abandono e geram crises, como tentativas de suicídio, de tal forma que levam os outros a resgatá-los e a cuidar deles.

Estresses durante a primeira infância podem contribuir para o desenvolvimento desse transtorno. História infantil de abuso físico e sexual, negligência, separação dos cuidadores e/ou perda de um pai é comum entre esses pacientes.

De acordo com Matias, Reis e Besson (2023), o transtorno de personalidade borderline é uma síndrome caracterizada por humores instáveis, problemas de impulsividade e instabilidade emocional, fatores que repercutem nos relacionamentos interpessoais e na autoimagem e que podem vir acompanhados de comportamentos suicidas e automutilatórios. O termo borderline é utilizado para classificar pessoas que se encontram no limite entre a neurose e a psicose.

Esses pacientes têm dificuldade de controlar sua raiva e, frequentemente, tornam-se inadequados e intensamente irritados. Muitas vezes, após a explosão, eles sentem vergonha e culpa, reforçando seus sentimentos de que são maus ou inadequados.

Também é comum a presença da impulsividade que, comumente, leva à automutilação e a comportamentos suicidas. Embora muitos desses atos autodestrutivos não visem a acabar com a vida, o risco de suicídio nesses pacientes é 40 vezes maior do que na população em geral: 8% a 10% desses pacientes morrem por suicídio (APA, 2014). Esses atos autodestrutivos são geralmente desencadeados pela rejeição, por um possível abandono ou pela decepção com um cuidador ou amante. Os pacientes podem se automutilar para compensar seu comportamento inadequado, para reafirmar sua capacidade de sentir durante um episódio dissociativo ou para desviar a atenção de emoções dolorosas.

Moraes et al. (2020) apontam que a ideação suicida é um prenúncio da prática de automutilação. De acordo com os autores, estudos associaram a automutilação com a ideação suicida e/ou tentativa de suicídio. Pesquisadores afirmam que 50,6% dos participantes sentiram vontade de morrer; destes, 26,7% já pensaram em fazer algo e 19,1% relataram ter feito. Dessa forma, indivíduos que apresentam comportamento de automutilação necessitam de cuidados e avaliação frequentes, visto que devem ser considerados como um grupo de alto risco ao suicídio.

Diferentemente desse resultado, Moraes et al. (2020) também destacam que há pesquisadores que consideram que a automutilação não possui o propósito suicida, pois a relação existente é apenas entre o próprio corpo e a expressão de um sentimento. Moraes et al. (2020) apresentam um estudo em que foi verificado que a maioria dos adolescentes pesquisados (61,22%) praticava a automutilação e não apresentava intenção suicida.

Episódios dissociativos, pensamentos paranoicos e sintomas psicóticos podem ser desencadeados por estresse extremo e, normalmente, por medo de abandono, seja real, seja imaginado. Esses sintomas são temporários e não costumam ser graves o suficiente para serem considerados um transtorno separado.

 

Nanã

Nanã é a dona da lama que existe no fundo dos lagos, com a qual foi modelado o ser humano. É considerada a orixá mais velha do panteão da matriz africana no Brasil. De sua família fazem parte Oxumarê e Obaluaê e, mais remotamente, Euá. Oxumarê, o arco-íris, é o deus serpente que controla a chuva, a fertilidade da terra e, por conseguinte, a prosperidade propiciada pelas boas colheitas. Omolu ou Obaluaê, também chamado Xapanã e Sapatá, é o senhor da peste, da varíola, da doença infecciosa, o conhecedor de seus segredos e de sua cura. Euá, orixá feminino das fontes, preside o solo sagrado no qual repousam os mortos e o crepúsculo.

De acordo com a narrativa do mito, encontrada em Prandi (2001), Nanã enfeitiçou Oxalá, seduziu-o e engravidou dele. Entretanto, quando seu filho Obaluaê nasceu, o menino tinha o corpo coberto de feridas e chagas. Obaluaê nasceu com varíola e seu corpo era completamente malformado. Nanã não suportou a ideia de ter dado à luz a um bebê daquela maneira e, sem saber o que fazer com ele, abandonou-o à beira mar, para que a maré cheia o levasse.

Obaluaê foi atacado por caranguejos que se encontravam na praia, deixando-o ferido e quase morto. Ao ver a criança sofrendo, Iemanjá saiu do mar e a tomou em seus braços. Ela então levou-o para uma gruta e cuidou dele, fazendo curativos com folha de bananeira e alimentando-o com pipocas. Quando o bebê se recuperou dos graves ferimentos e das doenças, Iemanjá resolveu criá-lo como seu filho.

O corpo de Obaluaê ficou marcado por cicatrizes muito impressionantes e, por isso, ele vivia se escondendo para que ninguém o visse. Em um dia de festa, em que os orixás se reuniram, Ogum perguntou por Obaluaê e percebeu que ele não queria aparecer por conta de suas feridas. Então, ele foi ao mato e fez um manto de palha para cobrir Obaluaê da cabeça aos pés.

Prandi (2001) conta que ele aceita participar da festa com esse manto, mas, sem dançar, pois, era um orixá muito fechado. Iansã então aproxima-se dele com o seu vento e sopra o manto de palha de Obaluaê. Nesse momento, todas as feridas dele se transformaram em uma chuva de pipocas revelando o menino belo, sadio e radiante, como ele seria sem as mazelas de suas chagas.

Obaluaê tornou-se um orixá muito sério, taciturno e compenetrado, que não gosta de risadas e bagunças. Obaluaê é o orixá jovem, senhor da evolução dos seres. Omolu é o mesmo orixá da cura e das doenças, porém, maduro e velho. Juntos, regem a estabilização da ordem do mundo: sem eles, nada se sustenta, afinal, a vida e a morte precisam andar juntas para dar chance de evolução às almas. Obaluaê é a divindade que sustenta e conduz o mundo.

Sant'Anna et al. (2021) fazem um contraponto a Prandi (2021) e afirmam que a relação de Nanã com a maternidade é incomum. Ela não abandonou Obaluaê para que fosse criado por Iemanjá. Obaluaê, que significa rei e senhor da Terra, precisa ser irrigado pelas águas vivas para ter a possibilidade de germinação. É por meio da fonte de vida das águas de Iemanjá que Obaluaê torna-se um guerreiro e rei da Terra e luta pela vida, trazendo impressas em si a ancestralidade, a sabedoria e a justiça. Ele é responsável pelos corpos em decomposição e os encaminha para velha senhora Nanã, que pila os ossos para que se tornem barro novamente. Ele está ligado, no Brasil, aos processos de doença, cura ou morte. Em outra perspectiva, Nanã não abandonou Obaluaê, mas sua função materna não era de acolher e cuidar. Esse papel foi desempenhado por Iemanjá.

No Brasil, há ainda a versão de que Nanã e Iemanjá são esposas de Obatalá/Oxalá (Sant'Anna et al., 2021), formando um dualismo sagrado e inseparável. Enquanto Nanã traz o elemento que forja os seres, Iemanjá os alimenta, com seus seios fartos, acalentando e protegendo com a própria vida. Enquanto Nanã representa o início e o fim e tem em si a guarda da ancestralidade, Iemanjá está ligada à manutenção e à força de vida, à continuidade e à preservação da vida e da comunidade.

O mito do nascimento de Obaluaê representa as duas faces do arquétipo materno: Nanã é a mãe que dá a vida e Iemanjá, a mãe que alimenta e cuida (Sant'Anna et al., 2021).

 

As marcas na pele de Obaluaê e a automutilação

Para Faria (2003), os pacientes borderline com frequência sofrem de separações e perda de seus pais durante a infância. Há uma falência biparental especialmente relacionada a vínculos. A experiência infantil desses indivíduos se dá a partir de experiências desastrosas com a figura tanto da mãe quanto do pai, sem que eles tenham tido a possibilidade de constelarem uma maternagem/paternagem minimamente adequada, levando a criança a uma vida de negligência e abandono.

Nos momentos em que se encontra em profunda tristeza ou angústia, pacientes borderline com frequência fazem uso da automutilação como forma de alívio, ou ainda, como uma possibilidade de se sentirem vivos.

De acordo com Tavares (2019), a automutilação é uma prática de agressão física ao próprio corpo, comportamentos de automutilação incluem se bater, enforcar-se, arrancar os cabelos, morder o lábio, língua, mãos e braços, queimar-se, furar-se, apertar feridas, engolir objetos perfurantes e até mesmo passar cola no corpo e depois arrancar pedaços da pele.

Cicatrizes não desaparecem. A pele tenta se reconstruir, mas nunca mais será a mesma.

Faria (2003) afirma que nesse estado de fusão corpo-psique ocorre praticamente um fenômeno de corporificação de um complexo que permanece com as polaridades arquetípicas em seu núcleo fundidas, levando a esse estado de indiferenciação no qual as polaridades corpo-psique ainda não se diferenciaram.

Ainda de acordo com Faria (2003), os atos característicos do transtorno estão ligados a um simbolismo corporal primitivo. Os limites do corpo apresentam-se como o único continente possível para uma ansiedade persecutória crescente e a sensação de despersonalização acompanha os altos graus de ansiedade, levando o paciente a buscar alívio em uma atitude que possa, em uma linguagem alquímica, coagular sua existência.

O paciente consegue dessa forma encarnar em si mesmo e sentir o próprio corpo. Esse comportamento geralmente acontece de maneira impulsiva, como tantos outros comportamentos borderline, em função de estados afetivos intoleráveis. É como se, a partir de uma determinada situação vivenciada, a ansiedade começasse a aumentar de forma crescente. Se essa ansiedade ultrapassa determinado nível, dispara um gatilho da impulsividade e, a partir daí, o indivíduo somente vai conseguir voltar a controlar a ansiedade após realizar algum ato concreto - no presente caso, um ato automutilante, que se reveste de um aspecto ritualístico.

Importantíssimo estabelecer a diferença desses atos de uma tentativa de suicídio, o que também é frequente nesses pacientes, mas tem um significado simbólico diverso. Enquanto a automutilação está relacionada à sensação de alívio da ansiedade, as tentativas de suicídio possuem um significado relacionado à perda da possibilidade de transformação, ao sucumbir-se a aspectos terríveis e sombrios da coniunctio, em um aparente estado de união e completude estável e definitiva com a morte.

Para Van der Kolk et al. (1994), o abuso fica gravado em níveis psicológico e biológico.

 

Ogum e o desenvolvimento do animus

De acordo com Prandi (2001), Ogum é o arquétipo do guerreiro que luta na frente no campo de batalha, desbravando e enfrentando o desconhecido. Representa a força masculina, aquele que abre os caminhos e executa o que precisa ser feito. Ogum pode ser visto como a representação do animus presente em Obaluaê, impulsionando-o para o enfrentamento com a força patriarcal.

Ogum faz um manto para Obaluaê que, assim, aceita participar da festa, porém, sem dançar, pois era um orixá retraído. Amplificando essa imagem, pode-se perceber que não apenas a força masculina é necessária para o seu desenvolvimento, como também a força feminina que complementa a masculina por meio de Iansã, trazendo assim a figura do herói e a anima para Obaluaê.

Para que haja um bom desenvolvimento e harmonia na psique, o lado feminino da personalidade do homem e o lado masculino da personalidade da mulher precisam se expressar na consciência e se manifestar em seus comportamentos.

Jung (1967/2003) define a anima como a soma de todas as experiências que o homem experienciou em relacionamentos com o sexo feminino ao longo de séculos.

No mito e na vida das pacientes com transtorno borderline, é possível observar um atrofiamento do animus; e dos pacientes, a ausência da imagem do herói. Não há uma predisposição para a vida e o enfrentamento. Ogum quando convida Obaluaê para a festa e faz para ele a cobertura de palhas, apresenta-se como herói que abre caminhos, o vencedor de demandas, oferecendo a Obaluaê a possibilidade de desenvolvimento.

 

Iansã e o desenvolvimento da anima

Iansã aproxima-se de Obaluaê e, com o seu vento, sopra o manto de palha. Nesse momento, todas as suas feridas transformam-se em uma chuva de pipocas, revelando o menino belo, sadio e radiante como o sol que ele seria sem as mazelas de suas chagas.

Iansã é descrita como uma orixá dos ventos e tempestades, da força e movimento, trazendo ordem e transformação para Obaluaê.

Pode-se pensar que a figura do terapeuta ora transita trazendo o aspecto patriarcal, como a figura de Ogum, ora posiciona-se como Iansã, direcionando e impulsionando o paciente ao movimento e se fazendo presente como a figura de ampliação da anima para a Grande Mãe, trazendo Iemanjá como contraponto para um complexo materno positivo.

Ogum e Iansã apresentam-se como um aspecto heroico-paterno e anima-materno construtivo e guerreiro, buscando avançar aspectos regressivos da personalidade de Obaluaê.

 

As palhas como persona de Obaluaê

Tropéia (2022) afirma que persona é a máscara representada conscientemente da própria pessoa, que carrega a função de máscara protetora no sistema de relação com o outro, como uma forma de adequação diante da sociedade. Trata-se do arquétipo referente ao papel público que o ser humano tem a intenção de mostrar à sociedade, buscando que está lhe seja favorável, de modo a ser aceito e acolhido. Por meio da persona, as pessoas tornam-se capazes de conviver com o outro - inclusive, com quem consideram desagradáveis - de maneira saudável e equilibrada.

Jung (1928/2014) define persona como:

A palavra persona é realmente uma expressão muito apropriada, porquanto designava originalmente a máscara usada pelo ator, significando o papel que ia desempenhar. Como seu nome revela, ela é uma simples máscara da psique coletiva, máscara que aparenta uma individualidade, procurando convencer aos outros e a si mesma que é uma individualidade, quando, na realidade, não passa de um papel, no qual fala a psique coletiva (Jung, 1928/2014, p. 46, para. 245).

Embora seja muito necessária, se usada de maneira inconsciente, a persona torna-se mais reforçada, levando o sujeito a acreditar que ele é a máscara que usa, tornando-se dependente desta na definição de sua identidade e do senso de realidade (Stein, 2005).

Obaluaê possui uma identificação com a persona, utilizando, em todos os locais, as palhas para se proteger e se esconder.

Sobre o lado negativo da persona, Jung (1928/2014) diz:

A persona é um complicado sistema de relação entre a consciência individual e a sociedade; é uma espécie de máscara destinada, por um lado, a produzir um determinado efeito sobre os outros e por outro lado, a ocultar a verdadeira natureza do indivíduo. Só quem estiver totalmente identificado com a sua persona até o ponto de não se conhecer a si mesmo, poderá considerar supérflua essa natureza mais profunda (Jung, 1928/2014, p. 84, para. 305).

 

Iemanjá

Obaluaê é acolhido por Iemanjá, a orixá dos mares e das águas do inconsciente, o arquétipo da Grande Mãe, que o acolhe e lhe cura as feridas, presenteando-o com pérolas.

Jung (1969/2008) afirma que o arquétipo materno é a base do chamado complexo materno, sendo que a mãe está sempre ativamente presente na origem de perturbações manifestas por seus filhos, em particular, nas neuroses infantis ou naquelas cujas etiologias recuam até a primeira infância. Contudo, os efeitos do complexo podem afetar o desenvolvimento tanto da mãe quanto do filho, visto que o polo constelado na mãe pelo filho a faz tratá-lo com sentimentos e comportamentos positivos ou negativos, o que influencia diretamente a constelação do complexo materno no filho, afetando as suas relações.

As potencialidades de desenvolvimento do arquétipo materno são comuns a todos. Contudo, a psique individual as vivenciará sob a influência do conteúdo do inconsciente pessoal e da consciência, revestindo-as, assim, com as experiências singulares, tornando cada mãe única para seu filho.

Dessa forma, pode-se pensar que o arquétipo da Grande Mãe faz parte da constituição psíquica que as pessoas recebem do inconsciente coletivo, revestindo posteriormente esse arquétipo com suas histórias pessoais.

O complexo materno originalmente positivo proporciona a uma criança o sentimento de um incontestável direito à existência, o sentimento de ser interessante e de ter parte em um mundo que oferece tudo de que alguém tem necessidade - e um pouco mais. A partir disso, esse eu também poderá entrar em contato, de modo confiante, com um outro (Kast, 1997, p. 6).

Segundo Zacharias (1998), Iemanjá seria a mais conhecida e cultuada orixá materna no meio da cultura religiosa afrodescendente no Brasil. Uma de suas simbologias é o seio materno, aquele que nutre e sustenta o filho.

 

Transferência e contratransferência no atendimento de pacientes borderline

De acordo com Stein e Schwartz-Salant (1989), a terapia fornece a oportunidade de reparar ou reconstruir o dano representado pelo transtorno de personalidade borderline. É preciso olhar para a infância, não apenas para reparar o dano com uma subsequente liberação do desenvolvimento atrasado, mas também para permitir ao paciente ligar-se emocionalmente a esse período. Os pais verdadeiros precisam ser distinguidos dos pais arquetípicos. O paciente borderline pode se ver imerso em ódio e rebeldia contra os pais, ao mesmo tempo que os idealiza.

O meio continente da transferência/contratransferência cria o espaço interior necessário para a "a delusão de unidade entre analista e analisando" (Stein & Schwartz-Salant, 2021, p. 140).

Para os autores, o terapeuta precisa estar em contato empático com o paciente, de modo a lhe dar a oportunidade de reparar o antigo dano. Não se pode mudar o mundo do paciente, nem desfazer os infelizes eventos anteriores, assim como não é possível refazer completamente uma pessoa na terapia, visto que não podemos reconstruir o período inicial da vida no curso do tratamento. O que é possível fazer é tentar descobrir os elementos de sua estrutura e possibilitar um tipo diferente de experiência. As origens do problema são secundárias diante do que se pode fazer com as falhas na criação e no desenvolvimento. Os pacientes com transtorno de personalidade borderline podem vir a ter uma incapacidade de formar uma aliança terapêutica, o que pode se refletir em um prejuízo na capacidade de realizar transferência. Algumas vezes, o aspecto fronteiriço somente se manifesta após um período de tratamento, durante o qual o fenômeno da transferência/contratransferência revela a presença de dissociação e negação. Pode-se também perceber no paciente uma capacidade de entrar e sair de estados psicóticos ou de usar defesas psicóticas.

Em paralelo, há um medo do inconsciente, de estados de fragmentação e de despersonalização. É frequente que os pacientes borderline não alcancem o estágio de espelhamento ou idealização das relações. A transferência mostra como a realidade pessoal é construída, ela não se opõe à realidade, mas faz parte dela, dando-nos a oportunidade de ir ao sintoma ou à doença e transformar a massa confusa mediante a conexão com o significado simbólico do sintoma.

De acordo com Faria (2003), outra característica que comumente chama a atenção de todos os profissionais que atendem o paciente borderline é uma sensação de invasão permanente na psique do analista, ilustrada metaforicamente como se este estivesse nu atendendo o paciente ou estivesse sendo radiografado por ele o tempo todo. A transferência/contratransferência, como condição sine qua non do trabalho analítico, é o ingrediente vital na reparação de atrofias de desenvolvimento e na finalização do processo inacabado da infância. Ela anuncia o surgimento dos aspectos que despontam ou se desenvolvem na psique e intensifica a busca de novos começos e soluções na luta inata pela plenitude.

Mediante o uso da transferência/contratransferência, ganha-se uma renovada compreensão da interação entre a história pessoal do indivíduo e seu desenvolvimento arquetípico.

Para Faria (2003), o analista carrega a projeção do Self e é identificado com o símbolo de uma meta ou objetivo transcendente. O analista ajuda o paciente a compreender e integrar o material de uma nova maneira. Essa nova integração finalmente resultará no crescimento que torna possível a independência do paciente. Há uma restauração do contato com as fontes interiores de força e aceitação. A imagem danificada é substituída por uma imagem da plenitude por meio da projeção da imagem parental no analista.

Faria (2003) afirma que os pacientes com transtorno borderliner demandam muito da relação analítica, o que frequentemente confunde o analista. Isso ocorre em virtude de essa patologia estar diretamente ligada ao estabelecimento dos vínculos em geral. Como consequência dessa característica, encontra-se uma carga de energia investida na relação transferencial que frequentemente supera qualquer outra situação analítica, o que se apresenta ao analista de maneira muito particular.

Ainda segundo Faria (2003), esses indivíduos iniciam a psicoterapia de uma forma ambígua, na qual buscam a aceitação e o interesse do terapeuta e depois, com frequência, apresentam desinteresse pelo processo de psicoterapia. Essa ambiguidade está intimamente ligada ao medo do paciente em ser rejeitado e abandonado pelo terapeuta. Esse medo da rejeição e abandono permeia todas as relações de importância para o paciente borderline e permanece como pano de fundo durante todo o processo de análise. Por isso, é bastante importante que se estabeleça um contrato de análise muito bem discriminado, para que o paciente não associe situações à rejeição por parte do terapeuta.

Schwartz-Salant (1989) traz uma questão crucial para o entendimento da relação transferencial, em sua obra "A personalidade limítrofe visão e cura":

O aspecto simbólico do termo "limítrofe" deriva do fato de o tratamento da personalidade limítrofe envolver estados mentais que se deslocam dentro e em torno de um limite entre o pessoal e o arquetípico, de modo que aspectos de ambas as dimensões se entrelaçam de maneira muitas vezes desnorteadora. Assim, as situações de tratamento obrigam o terapeuta a lidar com elementos irracionais, existentes não apenas no paciente, mas também nele mesmo (Schwartz-Salant, 1989, p. 22).

De acordo com Schwartz-Salant (1989, p. 221), esse movimento entre os dois níveis faz com que somente uma atitude simbólica possa proporcionar ao analista uma compreensão dessa relação. Muitas vezes, o terapeuta sente-se confuso, irritado e frustrado por não conseguir apreender o processo.

Faria (2003) afirma que o paciente borderline está totalmente identificado com os aspectos sombrios do Self. Somente quando o terapeuta se dá conta do quanto seu próprio inconsciente e sua sombra também participam do Self relacional é que começa a lidar com a sombra do paciente. O fato de o paciente alternar entre um nível pessoal e um nível arquetípico será responsável por suas vivências totais. O paciente borderline encontra-se em um estado de total identificação com a sombra. Ele se vê como alguém diferente de todas as demais pessoas, o que o leva a uma sensação de solidão.

Para Schwartz-Salant (1989), a identificação do paciente borderline ocorre com o numinoso negativo - ou seja, com o lado sombrio do numinoso - devido a seus estágios precoces do desenvolvimento da personalidade.

Ao mesmo tempo, Faria (2003) afirma que o indivíduo borderline vivencia o mundo em termos de relação de poder extremadas. Isso faz com que o terapeuta seja constantemente convidado a se posicionar dentro da relação transferencial. Alguns pacientes entendem que se o terapeuta é competente, então, não poderá entendê-lo, pois não irá se empatizar com a sua situação de incompetência e falência. Por outro lado, se o terapeuta consegue ter empatia por essa condição, o paciente pode vir a colocá-lo na mesma condição de fraco e incompetente.

É comum que pacientes borderline critiquem as intervenções e interpretações do analista, buscando mostrar que ninguém é capaz de compreendê-lo. Refletir sobre transferência e contratransferência implica que o analista coloque-se dentro do processo terapêutico, por isso, a percepção de si é fundamental. Tal processo analítico visa a ajudar o paciente na compreensão de aspectos que ainda não foram conscientizados por ele. Para tanto, o analista deve, a todo instante, perceber o que é seu, o que é do seu paciente e, ainda, o que é do encontro.

Pensar na figura de Iemanjá como uma possibilidade de transferência ao analista é pensar na possibilidade de uma reorganização psíquica, visto que:

Iemanjá sendo ordenadora psíquica, a manifestação arquetípica de Iemanjá, na psique e como forma de amplificação clínica, pode trazer organização na saúde mental como um todo, já que dentro das suas múltiplas facetas, ajuda a "assentar" desejos, aptidões, ambições, emoções e ideias, fatores primordiais para que a saúde mental dos indivíduos esteja em ordem. Senhora do mundo emocional, das águas psíquicas, guardiã do inconsciente, pois elemento principal é a água, Iemanjá cuida do ori, das cabeças, que é sede da personalidade, do destino e facilitador da conexão espiritual, proporcionando qualidade de vida, bem-estar biopsicossocial, podendo, assim, evitar o desencadeamento de doenças psíquicas diversas (Mello & Medeiros, 2023, p. 162).

Kast (1997) afirma que o complexo materno originalmente positivo proporciona à criança os sentimentos de incontestável direito à existência, de ser interessante e de ter parte em um mundo que oferece tudo que alguém necessita - e um pouco mais. A partir disso, esse Eu também pode entrar em contato, de modo confiante, com o outro.

 

Considerações finais

Os complexos são partes inconscientes da psique, carregadas de emoções. Quando o paciente projeta no analista um complexo, também projeta partes de si. Jung acreditava que a transferência seria a possibilidade de o paciente entrar em contato com os complexos e trazer conteúdos reprimidos, que podem ser ressignificados.

Para que os conteúdos inconscientes do Self possam se conscientizar em tempo hábil, estabelecendo um diálogo mais criativo. Por meio desse processo, o paciente pode integrar aspectos inconscientes, promovendo o crescimento e a autorrealização.

A transferência refere-se a um fenômeno terapêutico valioso, pois, permite ao paciente uma oportunidade de explorar seu mundo interior, trazendo uma compreensão de si mesmo, na qual ele e o analista trabalham juntos para iluminar partes ainda não iluminadas.

Pacientes com transtorno de personalidade borderline demandam do analista uma entrega e uma troca profunda e valiosa para ambos, na qual, muitas vezes, a sombra do analista é acessada e projetada na sessão.

A experiência clínica permite dizer que muitos analistas não se sentem confortáveis no atendimento desses pacientes. É como se, a cada semana, uma nova pessoa estivesse diante do profissional: uma semana, sentindo-se bem; em outra, depressivo; e em outra semana, eufórico. Atender pessoas no limiar entre o intenso e o transbordante pode ser de fato desafiador, mas supor que se sabe sobre o outro mais do que ele mesmo é prepotente e tendencioso.

É de crucial importância que o terapeuta cuide do desenvolvimento de sua própria personalidade, para que possa acolher a intensidade e a personalidade do outro.

Utilizar recursos da mitologia no setting terapêutico pode ser uma forma indireta de acessar o conflito do paciente, ampliando e usando recursos simbólicos como uma possibilidade de acessar conteúdos sombrios e não iluminados.

A religião na clínica pode ocasionar divergências entre as crenças do analista e às do paciente. Contudo, tal situação não ocorre nos mitos. Desse modo, adentrar nos mitos, estudá-los e experienciá-los pode ser um rico caminho de possibilidades para a transformação.

Ainda que o Brasil seja um país diverso e plural, o preconceito em relação às religiões de matrizes africanas permeia e atravessa a coletividade.

A mitologia africana, diferentemente da grega, é uma mitologia que pode ser experienciada, seja na clínica, seja em um centro de umbanda ou terreiro de candomblé.

Como pesquisadores e psicólogos, faz-se necessário ampliar o diálogo crítico dos sabores tradicionais do povo ancestral, por meio do multiculturalismo existente em nosso país.

 

Referências

American Psychiatric Association. (2014). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5. Porto Alegre: Artmed.

Faria, A. A. (2003). Transtorno de personalidade borderline: uma perspectiva simbólica (Monografia não publicada). Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, [São Paulo].

Jung, C. G. (2003). Estudos alquímicos (OC, Vol. 13). Petrópolis, RJ: Vozes. (Trabalho original publicado em 1967).

Jung, C. G. (2008). Os arquétipos e o inconsciente coletivo (OC, Vol. 9/1). Petrópolis, RJ: Vozes. (Trabalho original publicado em 1969).

Jung, C. G. (2014). O eu e o insconsciente (OC, Vol. 7/1). Petrópolis, RJ: Vozes. (Trabalho original publicado em 1928).

Kast, V. (1997). Pais e filhas: mães e filhos: caminhos para a autoidentidade a partir dos complexos materno e paterno. São Paulo: Loyola.

Matias, C. C., Reis, G. T., Besson, J. C. F. (2023). Transtorno de personalidade borderline e os fatores que influenciam seu desenvolvimento: uma relação entre o comportamento autodestrutivo, relações familiares, traumas infantis e alterações fisiopatológicas. Brazilian Journal of Development, 9(5), 15952-15972. https://doi.org/10.34117/bjdv9n5-100.

Mello, L., & Medeiros, V. C. (2023). Iemanjá: a senhora das cabeças: mito, simbologia, alquimia e clínica junguiana. In M. C. Zago, As várias faces de Eva: o feminino na contemporaneidade (pp. 150-164). São Paulo: Científica Digital.

Moraes, D. X., Moreira, E. S., Sousa, J. M., Vale, R. R. M., Pinho, E. S., Dias, P. C. S., & Caixeta, C. C. (2020). The pen is the blade, my skin the paper: risk factors for self-injury in adolescents. Revista Brasileira de Enfermagem, 73(suppl. 1), e20200578. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0578.

Prandi, R. (2001). Mitologia dos orixás. São Paulo: Companhia das Letras.

Stein, M. (2005). Jung: o mapa da alma: uma introdução. São Paulo: Cultrix.

Stein, M., & Schwartz-Salant, N. S. (2021). Transferência e contratransferência: ensaios contemporâneos sobre a interação entre analistas e pacientes da psicologia junguiana. São Paulo: Cultrix.

Schwartz-Salant, N. (1989). A personalidade limítrofe: visão e cura. São Paulo: Cultrix.

Sant'Anna, V., Rocha, M., Nunes, N., & Tommasi, S. (2021) Diálogos na Unipaz Goiás: mãe: símbolo sagrado de amor [vídeo]. YouTube. Recuperado de https://www.youtube.com/watch?v=Dmauk1Zbxxo.

Tavares, D. (2019). Automutilação e doenças psiquiátricas. Barueri: GEN.

Tropéia, E. R. (2022). O conceito de persona na psicologia analítica. São Paulo: Instituto Freedom.

Van der Kolk, B. A., Hostetler, A., Herron, N., & Fisler, R. E. (1994). Trauma and the development of borderline personality disorder. Psychiatry Clinics of North America, 17(4), 715-730.

World Health Organization. (2022). International statistical classification of diseases and related health problems (ICD) (11th ed.). Geneva: WHO. Recuperado de https://www.who.int/standards/classifications/classification-of-diseases#:~:text=ICD-11%20Adoption-,The%20latest%20version%20of%20the%20ICD%2C%20ICD-11%2C%20was,1st%20January%202022.%20.

Zacharias, J. J. M. (1998). Ori Axé, a dimensão arquetípica dos orixás. São Paulo: Vetor.

 

 

Recebido: 16 abr 2024
1a revisão: 26 jul 2024
Aprovado: 30 ago 2024;
Aprovado para publicação: 23 set 2024

 

 

Conflito de interesses: A autora declara não haver nenhum interesse profissional ou pessoal que possa gerar conflito de interesses em relação a este manuscrito.
Minicurrículo: Renata Felix Canal - Mestranda em Psicologia da Saúde pela Universidade Metodista; especialização em Psicoterapia Junguiana pela Universidade Paulista - Unip; especialização em Aprimoramento em Infância e Adolescência pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP. Psicóloga clínica. E-mail: renatacanalpsi@gmail.com.
* NT: itã or ìtan are legends or stories in the Yoruba culture, Nanã, Oxala and Obalaué are mythical figures.
** NT: itã o ìtan son leyendas de la cultura Yoruba, Nanã, Oxala y Obalaué son figuras mitológicas.