REVISÃO DE LITERATURA
DOI: 10.21901/2448-3060/self-2022.vol07.0001

 

Poética da mobilidade: as viagens de Jung e o sentido do deslocamento

 

Poetics of mobility: Jung's travels and the meaning of displacement

 

Poética da mobilidade: as viagens de Jung e o sentido do deslocamento

 

 

Laura Ancona Lopez Freire

Universidade Paulista - UNIP, São Paulo/SP, Brasil

 

 


RESUMO

Com base no livro "Memórias, sonhos, reflexões", este artigo analisou as viagens de Jung, a partir de uma perspectiva multidisciplinar de viagem e estabelecendo conexões entre a obra junguiana e as distintas fontes de conhecimento e informação. Inicialmente, abordou-se a ideia de internacionalização e as primeiras curiosidades juvenis de Jung direcionadas a outras culturas. Em seguida, destacou-se a experiência relatada pelo próprio Jung sobre suas viagens. Jung realizou viagens de deslocamento físico, de elaboração de ideias e viagens internas, sendo que estas últimas têm caráter intimista e de transformação pessoal. No fim da obra analisada, Jung relata suas inquietações. Ele trata da racionalidade e da necessidade de aceitar o inconsciente e seus enigmas ainda não decifrados. Com uma perceptibilidade aguçada, discorre sobre temas que eram ridicularizados como objetos voadores não identificados, crença na vida após a morte e premonições dos sensitivos.

Descritores: África, América do Norte, história - Europa, índios, artes, sonhos.


ABSTRACT

Based on the book "Memories, Dreams and Reflections", this article analyzed Jung's travels, from a multidisciplinary perspective of travel and establishing connections between Jung's work and the different sources of knowledge and information. Firstly, the idea of internationalization and Jung's first juvenile curiosities towards other cultures. Next, the experience of his trips narrated by Jung himself, was highlighted. Jung engaged in physical displacement trips, of elaboration of ideas and internal trips, the last of an intimate nature and of personal transformation. At the end of the work analyzed, Jung reports his concerns. He addresses rationality and the need to accept the unconscious with its not yet deciphered enigmas. With a sharp perception, he reasons on themes that were ridiculed such as non-identified flying objects, the belief of life after death and the premonitions of sensitives.

Descriptors: Africa, North America, history - European, Indians, arts, dreaming.


RESUMEN

Con base en el libro “Memorias, sueños, reflexiones”, este artículo analizó los viajes de Jung, desde una perspectiva multidisciplinar de los viajes y estableciendo conexiones entre la obra Junguiana y las distintas fuentes de conocimiento e información. Inicialmente, se abordó la idea de internacionalización y las primeras curiosidades juveniles de Jung dirigidas a otras culturas. Luego, se destacó la experiencia relatada por el propio Jung sobre sus viajes. Jung realizó viajes de desplazamiento físico, de elaboración de ideas y viajes internos, los últimos de carácter intimista y de transformación personal. En el final de la obra analizada, Jung relata sus inquietudes. Trata de la racionalidad y de la necesidad de aceptar el inconsciente y sus enigmas aún no descifrados. Con una perceptibilidad aguda, reflexiona sobre temas que eran ridiculizados como los objetos voladores no identificados, la creencia en la vida después de la muerte y las premoniciones de los sensitivos.

Descriptores: África, América del Norte, história - Europa, indios, artes, sueños.


 

 

Introdução

A viagem depende do tempo: tempo de paz, tempo de guerra. Existe a viagem de deslocamento físico e aquela de deslocamento de ideias. Viagem boa, viagem má. O escopo das viagens pode variar: de pesquisa, de trabalho, de turismo, de lazer, para tratamento de saúde.

Quando falamos em viagem, em geral, nos referimos ao deslocamento físico. Mas as ideias viajam também, e, em tempos de pandemia, quando ocorrem os intercâmbios internacionais, usamos ainda os meios virtuais para empreender o "deslocamento".

Há os que falam em viagens de alma. E escutamos falar também das viagens para dentro de nós mesmos.

Neste estudo, analisamos as citações de Jung sobre viagens no livro "Memórias, sonhos, reflexões" (1961/2016) e refletimos sobre o sentido da viagem de forma multidisciplinar, estabelecendo conexões entre a obra de Jung e distintas fontes de conhecimento e informação.

Para iniciar, vamos conjeturar sobre alguns conceitos que usamos para a nossa análise.

(i) O deslocamento físico: faz parte do impulso humano em direção ao novo, pela necessidade de sobrevivência, pela busca por oportunidades de melhores condições de vida e também por oportunidades de lazer.

(ii) O voo das ideias: em e-mails, livros, cartas e outras formas de contato virtual, as ideias "viajam" para vários continentes e se tornam internacionais. Ideias se encontram, se misturam e dão vida a novas ideias. Em seus "voos", são responsáveis pelas trocas culturais e pelas novas formas de compreensão universais. Ganhando força com a sua expansão, impulsionam o mundo para várias direções em processos tangíveis e intangíveis. Se pensarmos nas viagens espaciais, podemos imaginar voos maiores.

(iii) As viagens da alma ou excursões internas: viagens de crescimento pessoal, que permitem a autoanálise. O mergulho para dentro de nós mesmos é amplamente explorado pelos psicólogos, que facilitam o processo de cura de seus pacientes.

Jung realizou viagens de deslocamento, de ideias e internas. Considerando que também dedicou sua vida à análise dos sonhos, podemos inferir que as viagens internas foram sua fonte principal de estudo, pois elas permitem maior contato com a dimensão psíquica.

Viagens ocorrem concomitantemente e, naturalmente, em contato simultâneo entre o corpo psíquico e o mundo exterior, com as dimensões externa e interna ocorrendo ao mesmo tempo. Mas, nota-se que nem sempre a abertura de horizontes proporcionada pelo deslocamento físico em uma viagem possibilita a transformação interna. A viagem interna necessita, em geral, de um querer, embora, às vezes, o acaso force a transformação e precipite o indivíduo para uma aventura interior intensa. A viagem acontece e, independentemente da nossa vontade, pode nos fazer crescer internamente.

O que, na viagem de deslocamento físico, pode precipitar um processo de transformação interior? Quanto mais uma pessoa se abre para espaços externos, mais se aprofunda na viagem interior? Se fosse assim, as pessoas que viajam mais seriam aquelas que mais se transformariam internamente e sabemos que isso não é verdade. Porém, certamente, são as pessoas que mais encontraram oportunidades para, confrontando outras formas de ser no mundo, receberem material cultural diversificado a fim de empreender soluções diferentes daquelas conhecidas em uma sociedade fechada.

Com Jung, como veremos a seguir, a expansão certamente aconteceu em todas as dimensões.

 

Primeiras experiências de Jung

O sonho, que nos é dado pela natureza humana, requer um preparo para ser analisado. Nesse sentido, o preparo para entender os sonhos se assemelha àquele para uma viagem de exploração, neste caso, interna ao indivíduo.

A primeira viagem relatada por Jung no livro "Memórias, sonhos, reflexões" (1961/2016) foi um presente oferecido pelo seu pai quando ele tinha 14 anos. E foi, segundo ele, "o melhor e mais precioso dos presentes" (p. 107).

Jung descreve as sensações e pensamentos que lhe surgiram naquele momento de sua vida. Pela primeira vez, ficou hospedado entre desconhecidos e sentia-se "transportado para a esfera superior dos adultos" [destaques nossos] (Jung 1961/2016, p. 105).

No final das férias seu pai resolveu levá-lo para Lucerna (Jung, 1961/2016), Suíça, há pouco mais de uma hora da cidade de Kesswil (Jung, 1961/2016), onde Jung nasceu. Em Vitznau seu pai lhe entregou uma passagem de locomotiva que o levaria ao cume da montanha Rigi. Em direção ao cume, sozinho, Jung se sentiu potente, "quase um homem" (Jung, 1961/2016, p. 106).

No alto da montanha, sentindo-se revigorado, afirmou não saber "qual de nós era maior: se era ela ou era eu" (Jung, 1961/2016, p. 107). Nessa imagem de elevação fortuita, complementou: "Cheguei finalmente ao topo, num ar novo, leve e diferente, numa amplidão inimaginável" (Jung, 1961/2016, p. 107).

As impressões desta viagem mantiveram-se durante a maior parte de sua vida. Quando ficava cansado, após um grande esforço e quando precisava repousar, Jung se recordava desta viagem.

Dois anos depois, Jung foi visitar o pai na cidade de Sachseln. Estava então com 16 anos. Ali descobriu algo inédito: o pai, pastor, era amigo do padre da cidade. Jung, provavelmente considerando-os inimigos naturais devido às diferentes religiões, ponderou sobre a coragem do pai em empreender tal amizade e admirou-o por essa atitude (Jung, 1961/2016).

Nesse local visitou o eremitério de Nicolas de Flue, que foi um ermitão canonizado em 1947 pelo Papa Pio XII. Jung refletiu profundamente sobre a vida santa de Nicolas. Perguntou-se como o santo teria contemporizado a vida canônica e aquela em família, já que tivera dez filhos. Nesta imaginação, Jung diz ter se perdido em "pensamentos como num sonho" (Jung, 1961/2016, p. 108). Nas palavras de Bachelard (1942/1990), o sonho acordado é chamado devaneio. Este conceito não foi adotado por Jung no livro aqui estudado, muito embora, o termo "pensamentos como num sonho" (Bachelard, 1960/1996, p. 9) represente a dicotomia entre o sonhar dormindo e o sonhar acordado, de tal maneira que o termo sonhar, no conceito de Bachelar (1942/1990), é o sonhar dormindo e o devaneiro, o sonhar acordado.

Nessa ocasião conheceu também a primeira mulher amada e com ela sonhava, ou melhor, devaneava, após o encontro.

Essas viagens parecem ter levado Jung às primeiras impressões sobre o desconhecido e o inusitado com relação a outras culturas e povos, ora suscitando o sentimento de potência, ora a reflexão profunda sobre assuntos estranhos ao seu círculo habitual.

 

Expansão do caminho

Os anos de estudos levaram-no ao interesse sobre o Egito e a Babilônia, mas os recursos financeiros permitiram apenas ficar em sua própria região, a Basileia.

De qualquer modo, ele começou a expor a ideia e o desejo de caminhar para longe dos limites, abandonando a segurança do conhecido, como vemos neste trecho:

Nesta época, minha imagem do mundo sofreu uma rotação de 90 graus. Reconheci um caminho que me conduzia irremediavelmente para o exterior, rumo às limitações e obscuridade da tridimensionalidade. Parecia-me que outrora Adão abandonara da mesma forma o paraíso [...] (Jung, 1961/2016, p. 93).

O caminho para o exterior é, assim, a tomada de consciência do que é diferente do mundo pessoal e próximo e é alavancado pelo espírito do tempo, como veremos: "Se bem que tenhamos como homens nossa vida pessoal, nem por isso deixamos de ser, em larga medida, os representantes, as vítimas e os promotores de um espírito coletivo, cuja duração pode ser calculada em séculos" (Jung, 1961/2016, p. 95).

Além de si mesmo e da percepção pessoal do mundo, existe o compartilhamento de ideias e ações - suas e às dos "comparsas essenciais no palco do teatro universal" (Jung 1961/2016, p. 120) - e a consciência do compartilhamento e da representação social.

Jung sai de casa e inicia os estudos na universidade da Basileia que lhe renderam mais uma viagem em família, alguns meses antes da morte de seu pai, para as vinícolas de Markgrafen.

Após o último exame universitário, permitiu-se aquilo que chamou de "um luxo" (p. 142): arte e viagem, ir ao teatro pela primeira vez na vida e viajar de trem para Munique e Stuttgard.

Bizet embriagou-me e me subjugou como as vagas de um mar infinito e quando, no dia seguinte, o trem me transportou além da fronteira, rumo a um mundo mais vasto, as melodias de Carmem me acompanharam. Em Munique, pela primeira vez, vi antiguidades verdadeiras. Estas e a música de Bizet envolveram-me numa atmosfera cuja profundidade e importância apenas intuí, sem poder compreendê-la. Meu estado de espírito tornou-se primaveril [...] [destaques nossos] (Jung, 1961/2016, p. 112).

Depois de visitar os tios, partiu para Zurique, onde ocupou o posto de assistente no hospital de Burghölzli, no dia 10 de dezembro de 1900. Nesse momento, foi invadido por um prazeroso sentimento de renovação.

Estava satisfeito de instalar-me nesta cidade, pois com o correr dos anos, Basiléia [sic] parecia-me cada vez mais acanhada. [...] Meus amigos não compreendiam minha partida e calculavam que eu voltasse num prazo curto. Mas isso não ocorreu. Em Basiléia [sic] eu era, definitivamente, o filho do Pastor Jung, e o neto do Professor Carl Gustav Jung. Pertencia, assim, a um certo grupo intelectual e a um set social determinados. [...] Considerava, entretanto, a atmosfera intelectual de Basiléia [sic], superior e de um cosmopolitismo invejável. Mas o lastro da tradição era muito pesado para mim. Quando vim a Zurique senti uma grande diferença. Não é o espírito, mas o comércio que rege as relações de Zurique com o mundo. Mas o ar é livre e gostei imensamente disso. Não se sentia em parte alguma a névoa sombria dos séculos passados, ainda que se deplorasse a ausência de um lastro cultural maior. Sinto ainda por Basiléia [sic] um amor doloroso, sabendo que o tempo a mudou. [...] Quando deixei a Basiléia [sic], minha mãe sofreu com isso. Mas eu sabia que era impossível poupar-lhe essa mágoa e ela a suportou corajosamente. (Jung, 1961/2016, p. 113).

Em 1902, Jung faz uma viagem com fins acadêmicos, quando vai para Paris estudar com Pierre Janet durante um semestre (Monaham, 2009).

Na universidade de Basileia, fez bons amigos, como Albert Oeri, com quem viajou para Walenstadt. Segundo Jung, que contava então com 35 anos, ambos estavam na "hora festiva do meio-dia da vida" (Jung, 1961/2016, p. 130). Os amigos fizeram ainda uma viagem no veleiro Spinnaker, pelo lago de Zurique, que durou quatro dias, durante os quais Oeri lia em voz alta a "Odisseia", das "aventuras de Ulisses na ilha de Circe, a Nekyia e a descida ao Hades" (Jung, 1961/2016, p. 130). Ao ler sobre viagens ancestrais, unia, mais uma vez, arte e viagem. O deslocamento do corpo e do pensamento no deleite poético da literatura. É um tempo do qual se recorda saudosamente.

 

Viagem a Freud

Viagens não são apenas para os novos lugares, são também para novas pessoas, ou seja, para o encontro de pessoas diferentes do nosso círculo habitual, que possibilitam o confronto de ideias e novos conhecimentos. É possível que o encontro seja agradável, mas também podem ocorrer atritos. Assim, diante do novo, podemos sentir estranhamento ou aconchego.

Jung iniciou seu relacionamento com Freud pelas ideias, no encontro com o pensamento do mestre. Em 1904, ele leu as obras de Freud e, de 1906 até 1913, eles trocaram cartas.

A viagem que resultou desta troca intelectual entre os pesquisadores, consequência das ações de internacionalizações anteriores, ocorreu em 1907. Em Viena, provavelmente em uma das viagens mais importantes de sua vida, Jung encontrou Freud em seu consultório, onde conversaram longamente. Freud era importante e polêmico e, embora Jung não se identificasse totalmente com a teoria freudiana, definitivamente ela influenciaria a teoria que ele mesmo viria a desenvolver (Jung, 1961/2016).

Na viagem para Worcester, Massachusetts, em 1909, que Jung e Freud realizaram juntos, por ocasião de conferências na Clark University, o conflito de ideias entre os dois tornou-se mais claro e o confronto, mais direto. Foram sete semanas de convívio intenso e de uma intimidade interessante, já que relataram sonhos próprios um ao outro. Jung relatou sonhos que ele considerou de conteúdo coletivo e que o levavam à noção de inconsciente coletivo (Jung, 1961/2016, p. 190), como no sonho em que ele se deslocava entre as eras medieval, romana e pré-histórica (Jung 1961/2016, p. 193).

Em 1910 eles voltaram a se encontrar em Viena. Desta vez, Freud fez um pedido ao qual Jung não pôde responder positivamente: "Tenho ainda uma viva lembrança de Freud me dizendo: Meu caro Jung, prometa-me nunca abandonar a teoria sexual." (Jung 1961/2016, p. 181). Ele já não era um principiante e, fortalecido em suas próprias convicções, encontrou ânimo para defender crenças com as quais já não concordava. Jung não concordava com a ênfase dada por Freud à teoria da sexualidade. Para Jung, "cada vez que a expressão de uma espiritualidade se manifestava num homem ou numa obra de arte, ele [Freud] desconfiava e recorria à hipótese da sexualidade recalcada" (Jung 1961/2016, p. 181). Nessa viagem, Jung encontrou a coragem de se afirmar diante de tal autoridade de uma forma nunca antes empreendida. Tal impacto teve esse encontro, que poucos foram os relatos sobre as características das cidades e demais acontecimentos.

 

Choque cultural

Em 1920, a convite de um amigo que viajava a trabalho, Jung visitou o continente africano pela primeira vez. Passou pela Argélia, chegando ao destino final, a Tunísia, onde conheceu as cidades de Túnis, Soussa, Sfax e Nefta. No deserto do Saara, visitou Tozeur, a "cidade oásis" (Jung 1961/2016, p. 278).

De um lado, a experiência na Tunísia é relatada de maneira romântica, com o emprego do tom poético. Por outro lado, é narrada pela diferenciação. Naquele momento Jung contrapunha sua origem europeia com a origem dos africanos da Tunísia. Comparava as culturas e, como ocorre habitualmente em uma viagem ao estrangeiro, exaltava as características positivas do país visitado. Jung comungava da cultura africana, que lhe pareceu ser familiar.

Passados cinco anos, Jung retornou à África, outro fato comum a tantas pessoas com o mesmo tipo de experiência internacional: o desejo de retornar. Entre 1925 e 1926, conheceu o Quênia, Uganda, Sudão e Egito. Essa segunda visita ao continente seria especial em termos de convivência com os africanos. No Quênia, Uganda e Sudão, as diferenças culturais foram novamente sublinhadas. A diferença dos corpos, das vestimentas, da moradia e costumes foram motivos de apreciação, estranhamento, medo e, ao mesmo tempo, de identificação. Muitos e fortes sentimentos surgiram nesta viagem.

Outro choque cultural ocorreu na viagem ao Novo México (Estados Unidos), quando conversou pela primeira vez com um indígena, que se chamava Ochwiay Biano. A conversa foi impactante, pois, as referências, a forma de pensar e os valores de Biano eram absolutamente novas para ele.

Perguntei-lhe então porquê [sic] pensava que todos os brancos eram loucos. Respondeu-me: "Eles dizem que pensam com as suas cabeças".

- Mas, naturalmente! Com o que pensa você? - Perguntei admirado.

- Nós pensamos aqui - disse ele, indicando o coração (Jung, 1961/2016, p. 287).

Jung (1961/2016) conta que, para Ochwiay Biano, "O Sol é Deus" (p. 290). Jung avaliava: "[...] era um filho do Sol, sua vida tinha um sentido cosmológico". E mais, segundo Biano, o Sol nascia e se punha graças aos rituais pueblos (p. 290). Caso os pueblos deixassem de realizar tais rituais, o Sol deixaria de nascer.

Jung (1961/2016, p. 297) relatou encontros com outros viajantes, tão estrangeiros quanto ele. Esse mix de culturas e de pessoas e a tolerância necessária para a boa convivência são situações que acontecem entre estrangeiros que se encontram em países diferentes dos seus. Em sua segunda entrada no continente africano, em Uganda, Jung encontrou um inglês, com quem trocou algumas palavras:

[...] - Is this the first time you are in Africa? I am here since forty years.

- Sim - respondi. - É a primeira vez, pelo menos nesta região.

- Then may I give you a piece of advice? You know, mister, these here country it's not man's, it's God's country. So if anything should happen, just sit down and don't worry. (Jung 1961/2016, p. 297).

Ao refletir sobre os sonhos, Jung notou algo curioso: aqueles que marcaram momentos decisivos na sua vida se passaram no estrangeiro. Vejamos este, ocorrido em 1928,

Estou no Tirol do Sul, durante a guerra. Encontro-me no front italiano, prestes a retirar-me com um homenzinho, um camponês, na carroça do qual nós achamos. Em torno explodem obuses e sei que é preciso nos afastarmos tão rapidamente quanto possível, pois nos encontramos em grande perigo.

Tínhamos que atravessar uma ponte e depois um túnel, cuja abóboda tinha sido parcialmente destruída pelos obuses. Chegando ao fim do túnel, vimos diante de nós uma paisagem ensolarada: reconheci a região de Verona (Jung, 1961/2016, p. 236).

Jung (1961/2016) questionava-se sobre a natureza de algumas experiências vivenciadas nos sonhos. Seriam elas alucinações, compensações psíquicas ou fatos da realidade ainda incompreendidos por nós? Quando descreveu o sonho com a "legião de almas defuntas" (p. 264), disse: "Sentia-me obrigado a levar em conta a possibilidade de sua realidade, principalmente devido à existência de um relato paralelo do século XVII" (p. 265).

Para ele, "era difícil [situar-se] entre as duas realidades" (p. 205), pois elas se apresentavam de duas formas, a interior e a exterior, talvez com a mesma importância.

Um aspecto notável é relatado por ocasião da sua ida à África tropical em 1926. Jung, muito embora tenha estado em viagem durante um período longo, sonhava sempre com a Europa. Em um destes sonhos, apareceu um negro, que não era africano, mas, estadunidense. Ele julgou o comportamento do seu inconsciente, por assim dizer, "com obstinação tática de negar a África" (Jung, 1961/2016, p. 244), e o comparou ao comportamento dos sonhos dos soldados na Segunda Grande Guerra. Seus sonhos não eram sobre a guerra na qual estavam imersos, eles sonhavam com os seus lares, suas terras, sua gente.

 

Viagens oníricas

Outras viagens, agora oníricas, iriam agregar-se à vida de Jung: aquelas dos seus pacientes. Quando um estudante de medicina lhe pediu para se tornar um analista, Jung, por seu lado, pediu para que, antes, ele se submetesse a uma análise pessoal. O candidato, então, lhe contou um sonho trágico sobre uma viagem.

Enfim ele teve um sonho impressionante: sonhou que estava viajando por uma estrada de ferro. O trem deveria parar a cada duas horas numa certa cidade. Como ele nunca tivesse visto esta cidade e desejasse conhecê-la, pôs-se a caminho até chegar no centro. Encontrou aí um castelo medieval, provavelmente uma prefeitura. Caminhou através de longos corredores, entrou em belas salas, onde nas paredes estavam pendurados velhos quadros e lindos tapetes de gobelim [...]. Então, bem no meio do quarto apareceu alguma coisa branca no chão. Aproximando-se, reconheceu uma criança idiota de cerca de dois anos, sentada num urinol, toda suja de fezes (Jung, 1961/2016, p. 167).

Jung (1961/2016, p. 167) julgou ser sinal de uma psicose latente. A criancinha, analisou, "é a imagem dele mesmo, com dois anos".

Havia ainda os próprios sonhos de Jung sobre ou durante as viagens. Em um desses sonhos, ele conta ter visitado as proximidades da fronteira austro-húngara (p. 151); em outros, a Áustria (p. 152), a Itália (p. 153), a Inglaterra (p. 208), a Rússia (p. 161), a Arábia Saudita (p. 281). Nesses sonhos, Jung encontrou-se com cavaleiros paramentados, funcionários de alfândegas, alquimistas, animais, e viu muitas paisagens de outras terras.

As viagens oníricas também eram para outras épocas, verdadeiras viagens no tempo pelos sonhos. "Enquanto sonhava, sabia que o cavaleiro era do século XII, época em que a alquimia começou, assim como também a lenda do Santo Graal. Desde minha juventude as histórias do Graal desempenharam um grande papel na minha imaginação" (Jung 1961/2016, p. 197).

Seriam esses, deslocamentos de alma?

 

O estrangeiro-espírito

Entre os relatos sobre encontros com vários estrangeiros ocorridos em suas viagens, destacamos o encontro com um hindu "muito culto, idoso e amigo de Gandhi" (Jung, 1961/2016, p. 216). Eles conversaram sobre a relação com o guru e o chelah (eu). Jung ficou satisfeito em constatar que poderia haver um guru espiritual ou, por assim dizer, não material, um espírito. Essa notícia, tanto "consoladora quanto esclarecedora", fê-lo ver que "não exorbitara o mundo dos humanos" (Jung, 1961/2016, p. 217).

Na esfera espiritual, a existência de espíritos deste ou de outros mundos é uma ideia que acomete a humanidade desde os tempos primitivos. Um exemplo disso era a crença dos xamãs siberianos de que era possível falar com seres do além-mundo (Lommel, 1967). Conversavam com outros seres a partir deles mesmos, em sonhos e devaneios. O espírito era apenas uma parte de um todo do qual eles, xamãs, participavam.

Os encontros ou contatos com os espíritos deste ou do além-mundo viriam a ocorrer também com Jung. Vamos colocar foco sobre o relato das experiências com Filemon, Ka e a Anima.

Iniciemos com o encontro com a Anima, explicado por Jung nos seguintes termos: "Talvez meu inconsciente tenha elaborado uma personalidade que não é minha, e que deseja exprimir sua própria opinião" (Jung, 1961/2016, p. 218).

Aqui surge uma nova ideia: o estranho ou estrangeiro pode ser acessado por via de si mesmo e ser, quem sabe, você mesmo. Um outro que é você mesmo. Ideia estranha, mas possível na teoria junguiana e que se apresenta com o desenvolvimento do conceito de anima.

A anima é uma voz que ele escuta, uma figura feminina com quem Jung fala, que traz para sua vida a discussão sobre o advento da arte pelas mandalas realizadas por Jung.

Vamos tratar mais atentamente de cada um destes outros espíritos que são, ao mesmo tempo, o eu mesmo de Jung, junto com a Anima. Falemos de Filemon e Ka.

 

Filemon e Ka

Filemon é um personagem alado e Ka, um personagem que vela outro personagem dotado de asas: o martim-pescador.

As asas, ou os seres alados, são aqueles que viajam e transportam.

Sobre o Ka, sabemos que

No antigo Egito o "Ka do Rei" era considerado a sua forma terrestre, sua alma encarnada. Na minha fantasia a alma-Ka vinha de sob a terra como que de um poço profundo. Pintei-a em sua forma terrestre como um Hermes, cujo pedestal era de pedra e a parte superior de bronze. Bem no alto da imagem aparece uma asa de martim-pescador; entre esta última e a cabeça do Ka paira uma nebulosa redonda e luminosa (Jung, 1961/2016, p. 217).

Psicologicamente, Filemon representa uma inteligência superior. Ele tinha um pé paralisado, mas era um espírito alado; Ka era uma espécie de demônio da terra ou dos metais (Jung, 1961/2016, p. 217). Enquanto Filemon vem de cima, Ka vem de baixo, ou enquanto um vinha de fora, o outro vinha de dentro da Terra.

Filemon, assim como outros personagens da sua imaginação, fê-lo perceber que "existem na alma coisas que não são feitas pelo eu, mas que se fazem por si mesmas" (Jung, 1961/2016, pp. 215-216), representando uma inteligência superior.

Temos aqui a noção dos outros, dos diferentes, mas que compõem as experiências íntimas de uma pessoa. A viagem da alma seria a forma de encontrar aqueles, por assim dizer, estrangeiros de si mesmo e de vivenciar experiências diferentes das habituais, vindas de dentro, mesmo que trazidas pelas referências externas.

 

Arte: escrevo e desenho!

O encontro com a anima é, no caso de Jung, também uma tomada de consciência sobre a importância da arte.

Ele escuta uma voz feminina, que identifica como a voz de uma paciente, e que lhe diz: "'O que fazes é arte'. Ele protesta, num claro sinal de desaprovação, 'Não, não é arte; pelo contrário, é natureza'" (Jung, 1961/2016, p. 218).

Embora tenha protestado, Jung rapidamente entende que o que ele faz é arte e é, também, natureza. Assim, dá continuidade às conversas com a anima e inicia os desenhos das mandalas.

Redigindo minhas anotações a respeito de minhas fantasias, certo dia perguntei a mim mesmo: "Mas afinal o que estou fazendo? Certamente tudo isso nada tem a ver com ciência. Então do que se trata?" Uma voz disse em mim: "O que fazes é arte". [...] Cheio de resistências, expliquei, energicamente, àquela voz, que minhas fantasias nada tinham a ver com a arte (Jung, 1961/2016, p. 218).

Jung publicou suas mandalas no "Livro Vermelho" (Jung, 1930/2010). Sobre esta obra, Jung comenta que "A elaboração estética do Livro Vermelho foi-me necessária, por maior que tenha sido a irritação que, às vezes, me causou; através dela cheguei à compreensão da responsabilidade ética em relação às imagens" (1961/2016, p. 221).

Ele se entregou a arte de produzir mandalas, mas renunciou a estética como compromisso na produção de suas imagens, pois tinha como objetivo revelar o inconsciente de forma verdadeira, sem influência e ruídos de uma produção vinculada aos padrões estéticos comumente esperados de uma obra. Nesta mesma conversa, ele ponderou sobre a natureza da alma, ou anima. "Refleti que provavelmente se tratava da 'alma', no sentido primitivo do termo e perguntei a mim mesmo porque a alma foi designada com o nome de anima" (Jung, 1961/2016, p. 218).

A anima da qual fala com Jung revela as imagens do inconsciente. Os personagens são, a partir daquele momento, não apenas descritos, mas também desenhados.

Quando descreve conversas e situações envolvendo os personagens, Filemon, Ka e Anima, Jung (1961/2016, p. 217) usa muitas vezes a palavra fantasia, relatando o caráter complexo dessas conversas, nas quais não faltavam diferenças de opiniões ou surpresas decorrentes de ideias incomuns de seus interlocutores internos. Essa complexidade também costuma ocorrer na vida exterior no encontro e na relação com estrangeiros.

As mandalas

Curiosamente, Jung (1961/2016) passou a desenhar mandalas e tentou também "outro modo de relação", fazendo anotações de suas "fantasias como cartas a ela", pois tinha a impressão de que se não conseguisse escrever a Anima, ela não compreenderia suas fantasias. Como vimos, a Anima representa a alma e é ela que "transmite ao consciente as imagens do inconsciente" (p. 220). Jung acreditava que o inconsciente poderia invadir a vida por meio de imagens e enlouquecer as pessoas. Por isso dedicou atenção especial a Anima, para quem escrevia na procura por entender as imagens do inconsciente e para, visualizando, interpretando e compreendendo suas mensagens, evitar enlouquecer.

Como diria mais tarde, os anos durante os quais se deteve "nessas imagens interiores constituíram a época mais importante" da sua vida e "neles todas as coisas essenciais se decidiram" (Jung, 1961/2016, p. 233).

Jung (1961/2016) tentava entender as imagens como na análise de um sonho. "Foi trabalhando as imagens do meu próprio inconsciente, que iniciei o meu trajeto pessoal" (pp. 240-241).

Ao descrever seu estilo simples de viver, fez referência à gravura chinesa "in modest harmony with nature" (Jung, 1961/2016, p. 260). Pintou as paredes de seu aposento exclusivo na Torre de Bollingen (p. 261) e esculpiu, quando a pedra encomendada por ele chegou a Torre, uma estrofe latina, um boneco e, depois, uma segunda inscrição latina do alquimista Arnaud de Villeneuve: "Eis Teléforo, que vaga pelas regiões sombrias deste cosmo e que brilha qual estrela se erguendo das profundidades. Indica o caminho das portas do sol e país dos sonhos" (Jung, 1961/2016, p. 266).

De acordo com Jung (1961/2016), esta pedra, que estava fora da Torre, era "como que uma explicação desta" (p. 262), ou seja, a arte realizada por ele era já uma luz sobre o que estava por vir.

 

Outro lugar, minha casa: Bollingen e a profundidade cósmica

Seja em realidade factual, seja em sonho, as referências a outros países e culturas aparece largamente na obra de Jung. Por ocasião da construção da sua casa, a Torre de Bollingen, ele disse que tinha como referência "a imagem de uma cabana africana: no centro, cercado por algumas pedras, o fogo brilha e em torno dele se desenrola a existência da família" (Jung, 1961/2016, p. 257). O projeto foi alterado de diversas formas, mas a alusão inicial à circularidade foi mantida. E, conforme o projeto ia caminhando, outras referências surgiam:

Lembrei-me das casas hindus, nas quais existe quase sempre um aposento, [...] (ainda que apenas um canto de quarto, isolado por uma cortina), lugar de retiro em que se medita por cerca de meia hora ou 15 minutos, e onde se praticam exercícios de yoga (Jung, 1961/2016, p. 258).

A Índia apareceria novamente, mostrando que o impacto de tal cultura na sua vida se estendia do guru-espírito ao seu espaço arquitetônico de meditação. Jung meditava e era chamado de místico. Ele apresentava de forma aberta e direta suas dúvidas sobre o que entendemos culturalmente sobre a ilusão e a realidade. Havia uma vontade e um esforço em esclarecer fatos que ainda hoje não podemos explicar, ocorrências localizadas nos sonhos, alucinações, intuições de diversas formas - visual, auditiva, olfativa.

Em seu esforço de compreensão, Jung postulou que algumas perturbações não eram exclusivamente pessoais, mas atingiam o indivíduo por terem sua origem na coletividade (Jung, 1961/2016, p. 268).

O espírito do tempo define claramente o impacto dos acontecimentos sobre uma coletividade em uma determinada época e também sofre modificações perpetradas por diversos fatores, entre eles a influência exercida por grandes mentes, como a de Jung (1961/2016, p. 119). A ideia de inconsciente coletivo estava sendo formada e, até então, nunca tinha sido aplicada à psiquiatria no sentido da possibilidade de interpretação de determinados sonhos pelo sonhador (Jung, 1961/2016, p. 245).

Em um sentido geral, as oportunidades que encontramos, pessoais ou coletivas, dependem também dos recursos de um período. Como este trabalho trata de viagens, citamos o exemplo do advento do voo tecnológico, que deu oportunidade para que pessoas se deslocassem pelo ar. Com sua popularização, viajar de avião fez parte do espírito do tempo da segunda metade do século XX.

Pessoas se acostumaram a voar para os mais variados destinos, principalmente, a lazer e a trabalho. Mas, o ser humano sonha também com viagens para outros planetas.

Sobre o progresso, Jung (1961/2016) nos fala que:

Estamos longe de ter liquidado a Idade Média, a Antiguidade, o Primitivismo e de ter respondido às exigências de nossa psique a respeito deles. Entrementes, somos lançados num jato de progresso que nos empurra para o progresso, com uma violência tanto mais selvagem quanto mais nos arranca de suas raízes. Entretanto, se o antigo irrompe, é frequentemente anulado e é impossível deter o movimento para frente. Mas é precisamente a perda de relação com o passado, a perda de raízes, que cria um tal mal-estar na civilização (p. 227).

Traçar a história significa entender melhor o presente e, também, planejar e prever o futuro pelas suas características. Mas Jung não acreditava no progresso tecnológico. Ele desconfiava que "nossa crença no progresso corre o risco de entregar-nos a sonhos do futuro, tanto mais infantis quanto mais a nossa consciência procura evadir-se do passado" (Jung, 1961/2016, p. 283). O processo seria oriundo da fuga e negação do passado, por isso seria importante reatar com outras épocas e culturas, inclusive, no caso do próprio Jung, com suas referências da própria moradia, que se tornava cada vez mais básica e rudimentar. Assim, o progresso se realizaria de forma mais madura e feliz, quando de mãos dadas com o espírito do tempo de outras épocas.

Mergulho interior e a importância das culturas antepassadas

O mergulho para dentro, como forma de melhorar o que está fora, parece fazer sentido socialmente na busca de outros mundos. Vejamos o relato de Jung nesta passagem:

Para apreender as fantasias, eu partia muitas vezes da representação de uma descida. Certa vez, fiz várias tentativas antes de penetrar nas profundidades. Na primeira vez, atingi, por assim dizer, uma profundidade de trezentos metros. Na seguinte já se tratava de uma profundidade cósmica. Parecia uma viagem à Lua ou uma descida no vácuo. Surgiu em primeiro lugar a imagem de uma cratera e senti como se estivesse no país dos mortos (Jung, 1961/2016, p. 210).

Na viagem para outra dimensão, uma ideia existente desde os xamãs, a experiência das referências se dissolve e transmuta em simbologia da psique humana. Mergulhar e subir ao mesmo tempo, como é, de fato.

É preciso manter o fio que nos liga à cultura compartilhada com nossos antepassados, a fim de evitar perder o solo debaixo dos pés, pois parece "ser uma experiência arriscada ou uma aventura duvidosa confiar-se ao caminho incerto que conduz à profundidade do inconsciente" (Jung, 1961/2016, p. 222). Assim, para um caminho indefinido, a priori, não existe GPS. A viagem psíquica se faz ao trilhar dois caminhos: o da realidade tangível e o da intangível.

Jung fez anotações sobre uma fantasia na qual sua alma saíra voando. Note-se a referência à coletividade:

Pouco antes desse acontecimento eu anotara a fantasia de que minha alma saíra voando. Fora um episódio muito significativo para mim, pois a alma, a anima, cria coletividade dos mortos: o país dos antepassados. Assim, se numa fantasia a alma desaparece, isso quer dizer que ela se retirou para o inconsciente ou para o "país dos mortos" - o que equivale à chamada perda de alma, fenômeno relativamente frequente entre os primitivos (Jung, 1961/2016, p. 225).

Além de revelar imagens do inconsciente, a alma, ou anima, levava-o ao "país dos mortos".

A coletividade dos mortos está, para Jung, no país dos antepassados. Então a alma o levava para outro país, onde ele se conectava à coletividade das pessoas do passado, os mortos. Ir para um país é, para a maior parte das pessoas, sair do seu próprio lugar para o lugar dos outros, os estranhos a minha origem. Mas, o país dos mortos pode também ser entendido como extensão do próprio país. O país dos antepassados pode ser algo muito íntimo, se pensarmos que lá podemos encontrar os nossos. Pode ser, ao mesmo tempo, um país pessoal e coletivo, íntimo e estranho.

De forma corajosa, Jung aborda o mundo do fantástico e incomum da natureza humana, tentando decifrá-lo a partir de si mesmo e, ao formular e divulgar sua teoria, procurou facilitar tal processo para os seus pacientes e colegas.

A viagem da alma faz mergulhar "para cima", de forma extraordinária e profunda, em direção a um só ser e também a muitos seres, concomitantemente, no local conhecido e em outro lugar, o desconhecido. Todas as ideias aparentemente díspares e incongruentes estão presentes. Jung era capaz de, pela fantasia e suas imagens, comunicar-se com inúmeras pessoas do "país dos antepassados".

Notamos o deslocamento dos conceitos de tempo e espaço, uma maneira de perceber o mundo que pode causar estranhamento e, talvez, críticas à sua obra.

"Eis-nos agora prisioneiros do século XVII!" (Jung, 1961/2016, p. 237): anuncia o camponês em um sonho que marca o início dos estudos alquímicos de Jung.

Jung olhava as gravuras do livro "Artis auriferae volumina duo" (Lulle et al., 1593), ponderando sobre a impossibilidade de compreensão de seus conteúdos. Os enigmas foram sendo resolvidos à medida que a simbologia das imagens e textos era estudada, descrita e compreendida. Começou então a "perceber o que significavam tais conteúdos numa perspectiva histórica" (Jung, 1961/2016, p. 239).

Ao tratar do sonho, Jung (1961/2016, p. 239) ressalta que não pode "existir psicologia do inconsciente sem base histórica" e que a interpretação dos sonhos exige mais do que "reminiscências pessoais", precisa ser um saber coletivo. Ele estava expandindo suas práticas de dentro para fora.

O mundo interior e pessoal chegava, naquele momento, ao mundo exterior e impessoal. A grande viagem estava apenas começando. "Nos casos individuais é possível seguir este processo através de sonhos e fantasias. No mundo coletivo, tal processo se encontra inscrito nos diferentes sistemas religiosos e na transformação de seus símbolos" (Jung, 1961/2016, p. 242). Foi neste ponto que ele percebeu que "o inconsciente é um processo" (Jung, 1961/2016, p. 242) e que este processo pode ser individual, pelos sonhos e fantasias, e coletivo, pelo qual se podia compreender a simbologia de sistemas filosóficos e religiosos, em seu caso específico, o estudo das religiões, da alquimia e da gnose.

 

Outro tempo

Inspirado por encontros com pessoas estrangeiras em terras distantes, Jung assume um tom poético e sincero ao relatar o encontrar-se no "olhar do outro". Surge um Jung renovado que conhece um "tempo infinito" (Jung, 1961/2016, p. 286 e 278).

Jung descreveu a percepção do tempo nos seguintes termos: "Permanecia ainda sob a esmagadora impressão do tempo infinito, da existência estática, quando pensei, de repente, no meu relógio de bolso, símbolo do tempo acelerado dos europeus" (Jung, 1961/2016, p. 278).

Tratava-se de um tempo diferente, infinito, estendido, que ele comparava ao relógio que impele à ação frenética.

Jung conta que alguns momentos da viagem se assemelhavam ao estado onírico. Ao ler tais relatos, em anotações poéticas, somos remetidos a um espaço bom, ingênuo, mágico, de prazer inebriante. Todas as qualidades tornam-se positivas. Tal sensação de prazer o levava a uma percepção mais lenta do tempo. É o que costuma acontecer quando estamos em um estado de paz e maravilhamento intenso, algo como a epifania.

Nas impressões de novas terras, culturas e pessoas, o relógio é o símbolo do tempo acelerado. Sua visão europeizada estava mudando por causa do contato com outros povos. No Novo México, nos Pueblos de Taos, Ochwiay Biano, chefe dos indígenas, lhe diz: "Os brancos sempre desejam alguma coisa, estão sempre inquietos, e não conhecem o repouso. Nós não sabemos o que eles querem. Não os compreendemos e achamos que são loucos!" (Jung, 1961/2016, p. 287).

Biano descobrira o ponto vulnerável do homem branco europeu e, com isso, levou Jung à reflexão e, consequentemente, a uma nova percepção das coisas.

A viagem de transformação pessoal é uma viagem intimista, nela busca-se novos horizontes, o alargamento das visões, a quebra de paradigmas para o crescimento pessoal.

Jung conta que, de início, pensou que sua viagem fosse exclusivamente de trabalho, mas descobriu depois que era mais do que isso:

A perplexidade que tudo isso gerou fez nascer em mim a desconfiança de que empreendera a aventura africana com a secreta intenção de desembaraçar-me da Europa e de seus problemas, mesmo com o risco de permanecer na África como tantos outros, antes de mim. A viagem pareceu-me ser menos um estudo de psicologia primitiva do que a tentativa de responder à perturbadora questão pessoal: O que vai acontecer ao psicólogo Jung em the wilds of Africa? Pergunta à qual procurava sempre fugir, apesar do projeto intelectual de examinar a reação de um europeu às condições de vida do mundo primitivo. Fiquei, portanto, muito admirado ao descobrir que não se trata tanto de um estudo científico objetivo, mas de um problema pessoal agudo, ligado a muitos pontos dolorosos de minha própria psicologia (Jung, 1961/2016, p. 315).

Vemos que a viagem de Jung é de transcendência íntima, secretamente motivada por uma tensão oriunda da história de seu continente, a Europa.

 

Alquimia e coragem: viagem de alma

Além das noções de tempo e de espaço, Jung dedicava-se a entender seu próprio processo de descobertas. Fazia-o na solidão e com a coragem inevitável daqueles que criam novas teorias e práticas capazes de alterar o rumo da história.

Os anos em que ele se deteve nas imagens interiores foram os mais importantes de sua vida e toda sua atividade posterior constituiu-se em elaborar "o que jorrava do inconsciente", pois, o que surgiu era "a matéria-prima para a obra de uma vida inteira" (Jung, 1961/2016, p. 233).

Passaram-se 20 anos até Jung entender o conteúdo de suas fantasias. Para isso, foram decisivos os anos de dedicação às imagens e à filosofia da alquimia. Ele vinha procurando inutilmente alguma base histórica na qual pudesse encontrar aderência ou antecedentes para a teoria que estava criando. Encontrou nos estudos alquímicos, quando "tornou-se então extraordinariamente claro para mim o valor cósmico da consciência: Quod natura relinquit imperfectum, ars perficit (o que a natureza deixa imperfeito, a arte aperfeiçoa), diz a alquimia" (Jung, 1961/2016, p. 296).

Jung (1961/2016) nos diz que para conhecer esse mundo é preciso ir lá fora, o que, quando vamos a outro país, é sempre um ato de coragem. De acordo com Jung,

Até o horizonte mais distante percebemos imensas manadas: gazelas, antílopes, gnus, zebras, javalis etc. Pastando e sacudindo as cabeças, as manadas se moviam lentamente - ouvia-se apenas o grito melancólico de uma ave de rapina. Havia o silêncio do eterno começo, do mundo como sempre fora na condição do não ser; pois até bem pouco tempo, ninguém havia ido lá fora para saber que havia 'esse mundo' [destaques nossos] (Jung, 1961/2016, p. 296).

Jung menciona um medicine-man que lhe disse ter parado de sonhar logo depois da chegada dos ingleses à sua terra. "Não havia mais necessidade de sonhos, pois agora os ingleses sabiam de tudo" (Jung, 1961/2016, p. 307).

Responsável por negociar com os deuses a cura para os homens na terra, o medicine-man pode ser comparado aos xamãs siberianos. A viagem do medicine-man, assim como a do xamã, é a viagem da alma, empreendida para o outro. Nela não há o interesse pessoal; trata-se de um trabalho, de um serviço voltado à saúde física e mental dos membros de uma comunidade.

Para os xamãs siberianos, viajar significava alcançar novas outras visões, onde eles encontravam outros seres. Eles eram responsáveis pelas viagens além-mundo com objetivo de cura das pessoas da comunidade. Nessas viagens, eles encontravam e negociavam com os espíritos (muitas vezes, de animais) a cura dos enfermos. Esses animais ou espíritos da natureza, ou de antepassados, representavam e ofereciam as forças necessárias para as curas. Tratava-se de viagens que os xamãs faziam a partir deles mesmos. Viagens a partir de dentro, internas, porém, no entendimento deles, para o além-mundo (externo). Eram empreendidas a partir de um indivíduo, mas, diferentemente da viagem de transformação pessoal, eram viagens de cura para os outros (Lommel, 1967).

 

Viagens: um capítulo

Jung se dedicou a escrever um capítulo intitulado "Viagens", tal a importância delas em sua vida, e destacou, as viagens que entendia como encontros com a primitividade (Jung, 1961/2016, p. 305). A primeira, para a África do Norte; a segunda, para a América do Norte, na região dos Pueblos, no Novo México; depois, o retorno ao continente africano, para Quênia e Uganda; em seguida, a viagem para a Índia; e, por fim, no retorno à Europa, a ida para Ravena. Roma, seria um destino nunca alcançado.

Como viagens de trabalho, Jung foi para o Norte da Itália (Pávia e Arona), para Gênova, Nápoles, passando por Pompeia, e Ravena. Convidado pela British Medical Association, participou de conferências em Londres e Aberdeen, no Reino Unido. Foi ainda para o Egito e a Palestina. Trabalhou como professor honoris causa na Universidade de Harvard (Massachusetts, Estados Unidos). Quando foi presidente da Sociedade Médica Internacional de Psicoterapia, Jung viajou para um congresso em Copenhague, na Dinamarca. Participou também do Congresso Internacional de Psicoterapia, em Oxford, na Inglaterra, onde ele foi eleito membro da Real Sociedade de Medicina. Viajou para a Índia, a convite do governo britânico, para assistir às festividades do 25o Jubileu da Universidade de Calcutá. E foi nomeado para Cátedra de Psicologia da Faculdade de Medicina da Basileia, na Suíça, em 1944.

Acerca das viagens que realizou, disse:

Como, de fato, poderíamos tomar consciência de particularidades nacionais se nunca tivéssemos tido a ocasião de olhar de fora nossa própria nação? Olhar de fora significa olhar do ponto de vista de uma outra nação. Para isso, precisamos adquirir um conceito suficiente de alma coletiva estrangeira e, nesse processo de assimilação, chocamo-nos sempre com todas as incompatibilidades que constituem o pré-conceito nacional e a particularidade da nação. Tudo o que me irrita nos outros pode ajudar-me no conhecimento de mim mesmo. Só compreendo a Inglaterra a partir do momento em que, como suíço, percebo em que ponto não me adapto ao seu ambiente (Jung, 1961/2016, p. 286).

Uma viagem internacional quando de grande impacto altera ou funda o destino de uma pessoa. Alguns mudam definitivamente de moradia e adotam a nova nação como abrigo para si e suas famílias e trabalho. Às vezes, trata-se apenas de uma viagem de passagem, como foi a ida de Jung à Índia: "foi apenas uma etapa do caminho" (Jung, 1961/2016, p. 326).

No campo da subjetividade, temos que apelar a nossa capacidade de abstração e alcançar a "alma coletiva estrangeira" (Jung, 1961/2016, p. 286). A internacionalização ocorre também pela troca de ideias entre pessoas em diferentes regiões do globo. A viagem interior, que é uma viagem de exploração para dentro de si mesmo, é tão importante e impactante para a história de vida de uma pessoa quanto as viagens de deslocamento físico. Nessa busca, encontramos facilitadores: novas ideias, pessoas, paisagens, cheiros, texturas e sabores.

Quando viajamos para dentro de nós mesmos, existe um entendimento do estrangeiro como nós mesmos: é como ser estranho a si mesmo. Quando recordado, o sonho fez uma viagem do inconsciente para o consciente, estando no campo da mobilidade interna. Essa viagem, produzida pela nossa psique, é empreendida para entrarmos em contato com nós mesmos e nos percebemos como seres ainda incompletos e passíveis de investigação e maravilhamento e até de decepção conosco mesmos.

 

Tom poético: a viagem de uma vida

Quando Jung relata suas viagens no livro "Memórias, sonhos, reflexões", Jung (1961/2016), muitas vezes, adota um tom poético: "Altas tamareiras formam um teto verde, sombrio, sobre o qual crescem, abundantes, pessegueiros, abricoeiros, figueiras e, debaixo destes, o verde inacreditável das alfafas. Alguns martins-pescadores fulgurantes como joias fugiam através da folhagem" (p. 278).

As experiências de outros lugares suavizaram o relato e revelaram uma face importante da expressão de Jung.

Esse tom poético demonstra o estado em que se encontrava no momento das recordações, quando procurava reviver uma sensação e um sentimento que podem se assemelhar a um estado de epifania. Vejamos nesta passagem: "Nossa vida no acampamento foi uma das épocas mais belas da minha vida - procul negotiis et integer vitae scelerisque punis - (longe dos afazeres, levando uma vida intacta, e pura de todo o crime); eu gozava da 'Paz de Deus' num país ainda em estado original" (Jung, 1961/2016, p. 305).

Ainda:

A aurora, nessa latitude, era um acontecimento que sempre me subjugava. Era menos o jorrar, em si magnifico, dos primeiros raios, do que aquilo que se seguia. Logo depois do levante, eu me habituara a ficar sentado sob uma acácia guarda-sol, em minha cadeira de campo. Diante de mim, no fundo do pequeno vale, estendia-se uma fita de floresta virgem, de um verde sombrio, quase negro e, mais acima, do outro lado, aparecia a orla do planalto. Inicialmente, tudo era um violento contraste entre o claro e o escuro; depois tudo tomava forma e o contorno na luz que enchia todo o vale de uma claridade compacta. Mais acima, o horizonte irradiava uma luz branca. Pouco a pouco a luz ascendia, parecendo insinuar-se nos próprios objetos que se iluminavam por dentro e acabavam por ficar transparentes como vidros de cor, transformando tudo em cristal cintilante. O apelo do pássaro "tocador de sino" enchia o horizonte. Minha impressão, nesses momentos, era a de que me achava num templo. Era a hora mais sagrada do dia. Diante desse esplendor, eu experimentava uma admiração insaciável, ou melhor, um êxtase intemporal (Jung, 1961/2016, p. 299).

O que pode ser mais poético do que esses momentos de atemporalidade, beleza e mistério?

O mistério aumenta quando Jung, no fim do livro, parece desabafar sobre suas inquietações. Ele fala sobre a racionalidade e a necessidade de aceitar o inconsciente e seus enigmas ainda não decifrados. Com uma perceptibilidade aguçada, discorre sobre temas que eram ridicularizados como objetos voadores não identificados, crença na vida após a morte e premonições dos sensitivos.

Jung professa a crença de que a racionalidade não seria capaz de captar e compreender os fenômenos sem se abrir e admitir a exploração do inconsciente.

Talvez a maior poesia da obra de Jung tenha sido essa capacidade de viajar entre os opostos e sua liberdade para pesquisar todos os aspectos da vida que se lhe apresentava. A viagem da vida apontava para a morte e ele tinha curiosidades sobre este tema. Talvez ele quisesse saber se a morte seria uma passagem para outra região e se esta região seria tão bela e misteriosa quanto aquelas que visitou.

Jung ansiava por respostas, inclusive sobre uma viagem desejada, mas nunca concretizada, para Roma: a não viagem fazia parte dos mistérios a serem desvendados, com sorte, se houvesse a continuação da vida de alguma forma.

 

Conclusão

Iniciamos este artigo mostrando como a internacionalização surge como um direcionamento espontâneo na vida de Jung, com as primeiras curiosidades juvenis a respeito de outras culturas.

Em um segundo momento, verificamos a experiência relatada pelo próprio Jung sobre suas viagens.

Depois, observamos como, pelo próprio esforço, em sua obra, Jung lança-se internacionalmente e se consagra, inclusive, academicamente.

Versando e estudando sobre o indizível, Jung erigiu uma obra em texto e se fez entender na região da racionalidade, embora verse sobre o inconsciente.

Em diversas de suas obras, encontramos variados termos usados para descrever a sensação emocional em relação a suas viagens pessoais e às de seus pacientes. Apenas neste estudo sobre o livro "Memórias, sonhos, reflexões" (Jung, 1961/2016), coletamos alguns destes termos: esfera superior; mundo mais vasto; estado de espírito primaveril; alma coletiva estrangeira.

Diante do caráter imaterial pelo qual se estende, é provável que sua teoria continue caminhando para mais países e penetrando o mundo científico por meio da identificação das experiências compartilhadas.

 

Referências

Bachelard, G. (1990). O ar e os sonhos: ensaio sobre a imaginação do movimento. (A. P. Danesi, trad.). São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1943).

Bachelard, G. (1996). A poética do devaneio. São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1960).

Jung, C. G. (2010). Livro vermelho. Petrópolis, RJ: Vozes. (Trabalho original 1930).

Jung, C. G. (2016). Memórias, sonhos, reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. (Trabalho original publicado em 1961).

Lommel, A. (1967). Shamanism: the beginnings of art. New York: Mc GrawHill Book.

Monaham, P. A. (2009). C.G. Jung: Freud's heir or Janet's?: the influence upon Jung of Janet's dissociationism. International Journal of Junguian Studies, 1(1), 33-49. https://doi.org/10.1080/19409050802681876.

 

 

Recebido: 18 out 2021
Revisado: 10 dez 2022
Aprovado: 17 jan 2022
Aprovado para publicação: 04 fev 2022

 

 

Conflito de interesses: A autora declara não haver nenhum interesse profissional ou pessoal que possa gerar conflito de interesses em relação a este manuscrito.
Minicurrículo: Laura Ancona Lopez Freire - doutora em Artes Visuais pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP e especialista em Psicologia Analítica pela Universidade Paulista. Atua como diretora da área de internacionalização acadêmica e coordenadora institucional do Programa Erasmus para a Universidade Paulista. E-mail: lancona@unip.br