ARTIGO DE REVISÃO DE LITERATURA
DOI: 10.21901/2448-3060/self-2016.vol01.0008

 

Estimulação Magnética Transcraniana (EMT)

 

Transcranial Magnetic Stimulation (TMS)

 

Estimulación Magnética Transcraneal (EMT)

 

 

Marco Antonio Marcolin; Bianca B. Bellini

São Paulo, SP, Brasil

 

 


RESUMO

Este artigo tem por objeto central a Estimulação Magnética Transcraniana (EMT), uma técnica de neuromodulação cerebral. Nascida em meados dos anos 1980, a utilização da EMT vem crescendo de forma exponencial e ganhando espaço no diagnóstico e tratamento de diversos transtornos mentais e doenças neurológicas, além de figurar no escopo de interesse de outras especialidades como neurofisiologia, neurocirurgia e otorrinolaringologia. Pretendemos neste ensaio esclarecer o que é a EMT, como funciona a técnica, as formas de aplicação e características do método, suas vantagens e benefícios, além de pontuar a literatura acerca do tema.

Descritores: Estimulação Magnética Transcraniana, psiquiatria na literatura, psiquiatria biológica.


ABSTRACT

The main subject of this paper is the Transcranial Magnetic Stimulation (TMS), a technique of brain neuromodulation. Born in the mid-80s, the use of TMS is growing exponentially and gaining ground in the diagnosis and treatment of various mental disorders and neurological diseases, as well as included in the scope of interest of other specialties such as neurophysiology, neurosurgery and otolaryngology. We intend in this essay to clarify what the TMS is, how the technique works, the application ways and characteristics of the method, its advantages and benefits, while pointing out the literature on the subject.

Descriptors: Transcranial Magnetic Stimulation, psychiatry in literature, biological psychiatry.


RESUMEN

El objeto principal de este artículo es la Estimulación Magnética Transcraneal (EMT), una técnica de neuromodulación cerebral. Nacida a mediados de los años 80, la utilización de la EMT está creciendo de manera exponencial y ganando terreno en el diagnóstico y tratamiento de diversos trastornos mentales y enfermedades neurológicas, así como está sendo incluida en el ámbito de interés de otras especialidades como la neurofisiología, neurocirugía y otorrinolaringología. Nos proponemos en este artículo aclarar lo que es la EMT, cómo funciona la técnica, formas de aplicación y características del método, sus ventajas y beneficios, así como señalar la literatura sobre el tema.

Descriptores: Estimulación Magnética Transcraneal, literatura en psiquiatría, psiquiatría biológica.


 

 

Introdução

Os procedimentos de estimulação cerebral têm sido utilizados na medicina desde seus primórdios. Registros históricos indicam o uso de estimulação cerebral com corrente elétrica desde o ano 46 a.C., quando Scribonius Largus, um médico romano, registrou o uso de peixes elétricos para o tratamento de dores de cabeça.

Modernamente, no início do século XX o uso de estímulos elétricos em tratamentos cerebrais marcou a introdução da eletroconvulsoterapia (ECT).

Entretanto, a introdução dos psicotrópicos no começo da segunda metade do século XX mudou o cenário e deflagrou a era farmacoterapêutica na psiquiatria, com a descoberta do primeiro medicamento com efeitos terapêuticos para esquizofrênicos, a clorpromazina em 1952 na França e, na mesma época, dos primeiros antidepressivos, a Imipramina e os inibidores da monoaminaoxidase (MAO).

A inovação no tratamento para transtornos mentais, gerada pelo arsenal farmacoterápico, provocou a diminuição do uso das técnicas de estimulação cerebral e demais abordagens, sobretudo pelo caráter mais invasivo destas.

A Estimulação Magnética Transcraniana (EMT) trouxe uma renovação a esta visão, pois foi capaz, de forma pioneira, de produzir um tipo de estimulação cerebral não invasiva, com a característica de ser indolor, com perfil benigno de efeitos colaterais e, sobretudo, com ação focal no córtex cerebral, um aspecto que as demais terapias elétricas não possuem.

Em 1985, Barker, Jalinous e Freeston foram os primeiros a promover estimulação cerebral através do uso de um campo magnético de grande intensidade e oscilação, transmitido por uma bobina colocada sobre o escalpe, de maneira a induzir alterações elétricas no córtex cerebral. Este experimento marca o nascimento da EMT.

Logo após a publicação dos primeiros estudos sobre a EMT, na década de 1990, confirmando os dados iniciais e demonstrando o papel da EMT repetitiva (EMTr) na modulação da atividade cerebral, houve um grande interesse em usar essa técnica no tratamento de distúrbios neuropsiquiátricos. Simultaneamente, o aumento do entendimento da fisiopatologia dos distúrbios psiquiátricos e neurológicos através das novas técnicas de neuroimagem ajudou a reorientar melhor o tratamento com EMT em termos de parâmetros diversos.

Essa nova ferramenta tem sido proposta para ser usada como tratamento, mas também no diagnóstico, de diversas patologias.

Princípios físicos da EMT

A estimulação magnética baseia-se no princípio da indução eletromagnética, descrito pelo físico inglês Michael Faraday (1831, p. 125) no século XIX. A partir de suas experiências, Faraday introduziu o conceito de campo de força (ou simplesmente campo) e demonstrou a propriedade na qual há geração de uma força eletromotriz sobre um enrolamento, quando ele é atravessado por um campo magnético variável. Com esse experimento, Faraday mostrou que a variação da corrente no circuito A gerava uma corrente no circuito B, que estava eletricamente isolado de A. Faraday percebeu que o responsável pela indução era o campo magnético gerado pelo circuito A, que atravessava o circuito B.

No caso da aplicação médica, a corrente elétrica é convertida pelo aparelho de EMT em potente campo magnético (semelhante ao usado em ressonância nuclear magnética). Este campo é transmitido pela bobina que repousa no couro-cabeludo. A rápida e intensa variação do campo magnético é capaz de influenciar diretamente a atividade neuronal (Pascual-Leone, Brasil Neto, Valls-Solé, Cohen, & Hallet, 1992).

Bobinas

Classicamente, tanto em pesquisa como na prática clínica, dois tipos de bobinas são as mais utilizadas: "circulares" ou em "anel" e "em formato de oito" ou "coplanares".

A bobina em oito tem algumas vantagens sobre a bobina circular: o campo magnético gerado é mais preciso, com bordas mais definidas (mais focal); e alcança maior profundidade no córtex (2,5 cm a 3 cm).

Em contrapartida, o campo da bobina circular é menos profundo e mais difuso, e pode ser preferível em certas situações, a exemplo de sua utilização em pesquisas para tratamento de dor neuropática.

Apesar da evidente eficácia da EMT com o uso dessas bobinas, a evolução científica apontou a possibilidade de se estimular diretamente regiões cerebrais mais profundas, no intuito de melhorar a resposta terapêutica e/ou ampliar as indicações de tratamento. Com esse objetivo foi desenvolvida em Israel, no início dos anos 2000, a bobina Hesed ou bobina H.

O princípio físico de estimulação é o mesmo da EMT padrão, a diferença está no fato de que a bobina H apresenta certas características especiais em seu design, permitindo que o estímulo atinja maiores profundidades. Essa variação da EMT passou a ser denominada EMT profunda (EMTp).

Em 2005, Zangen, Roth, Voller, & Hallett publicaram o primeiro estudo com uso da bobina H em humanos, onde avaliaram a distância de alcance do campo. Os autores demonstraram que o córtex motor pode ser ativado pela bobina H em uma distância de 5,5 cm em comparação a 2 cm com a bobina em formato de oito. Para que a mesma profundidade de estímulo fosse atingida por uma bobina padrão, seria necessária uma intensidade extrema, que certamente provocaria efeitos adversos indesejáveis, se não perigosos, e ainda enfrentaria a dificuldade técnica da aparelhagem disponível.

Tipos de EMT

Existem três formas de aplicação de EMT relativas aos pulsos emitidos: pulso simples (ou único), pulso pareado e pulso repetitivo:

(1) pulso simples (ou único): usado para mapeamento do córtex motor e para estudo do tempo de condução do estímulo. Também é utilizado nas sessões terapêuticas de EMTr no cálculo da excitabilidade cortical;

(2) pulso pareado é utilizado basicamente para realizar medidas de avaliação neurofisiológica (após acidente vascular cerebral e em pacientes com dor crônica e fibromialgia). É provável que, em um futuro próximo, essas medidas de excitabilidade cortical venham a fazer parte do diagnóstico e da escolha terapêutica de transtornos psiquiátricos; e

(3) pulso repetitivo ou EMTr é a modalidade usada efetivamente como tratamento. A frequência de repetição dos pulsos produzidos pelo aparelho de EMT é o que determina a ação produzida no córtex: ativadora ou inibitória.

Frequências de repetição de um estímulo por segundo ou menores ( 1 Hz) provocam redução na atividade nervosa do local estimulado, ou uma inibição neuronal. Esta forma de estímulo é chamada de EMT de baixa frequência ou inibitória.

Por outro lado qualquer estímulo superior a 1 Hz, a chamada EMT de alta frequência ou excitatória, incentivará o aumento da atividade naquela área. Quanto maior a frequência e intensidade de estimulação, maior será a interferência na função cortical no sentido de ativá-la, promovendo a facilitação do estímulo cerebral, durante o período de estimulação e após este. Usualmente, o tratamento por EMT para ativação cortical é feito com frequências entre 5 Hz e 20 Hz.

Existe uma modalidade de EMT denominada Thetaburst que é uma variante da EMTr onde há combinação de duas frequências durante as salvas de pulsos.

Características da sessão de EMT

Os parâmetros de estimulação são o conjunto de elementos usados para caracterizar cada sessão de EMTr, e a escolha destes implica diretamente a resposta clínica e na segurança do tratamento.

(1) Frequência: de baixa frequência (inibitória), de alta frequência (excitatória), Thetaburst.

(2) Local de aplicação: região à qual o estímulo magnético será focalmente direcionado. Os alvos de interesse para cada transtorno mental são determinados por pesquisas prévias, em geral, envolvendo estudos de imagem cerebral funcional. A localização de cada alvo é feita antes do início da primeira sessão, cada qual a partir de cálculos pré-determinados. Por exemplo, o córtex pré-frontal dorsolateral (CPFDL) é um alvo central no tratamento da depressão; já o córtex temporoparietal, em alucinações auditivas.

(3) Duração do trem (do inglês train): tempo de duração de uma sequência de pulsos, também é referida como tempo on, ou seja, período no qual o aparelho de EMT está liberando pulsos magnéticos.

(4) Intervalo entre trens: suspensão temporária da emissão dos pulsos, também chamado de tempo off.

Uma observação: no modo EMT inibitório, com frequência igual ou inferior a 1 Hz, os pulsos são aplicados de forma contínua, sem intervalo. Portanto não se fala, nestes casos, em tempo on ou tempo off.

(5) Número de trens por sessão: será reflexo do número de pulsos totais aplicados por sessão ou do tempo total de estimulação.

(6) Intensidade: a intensidade utilizada para o tratamento é calculada em percentual do limiar motor (LM) individual.

Por definição, o LM é a menor intensidade de estímulo capaz de provocar um potencial evocado motor de amplitude de no mínimo 50 mV, no EMG. Também pode ser determinado visualmente (a olho nu) observando-se o movimento do polegar.

O LM é um indicativo do estado de excitabilidade neuronal, quanto menor o LM, maior a excitabilidade e vice-versa.

Dessa forma, a intensidade do tratamento será uma variante individual em função do grau de responsividade cortical.

Um aspecto importante a ser salientado é a duração dos efeitos da EMTr. Os estudos mostram que a duração dos efeitos tem uma relação direta com o tempo de tratamento com EMTr. Enquanto que uma sessão de EMTr modula a atividade cortical por minutos (Romero, Anschel, Sparing, Gangitano, & Pascual-Leone, 2002), sessões repetidas de EMTr podem ter um efeito prolongado de meses (Dannon, Dolberg, Schreiber & Grunhaus, 2002).

Outro ponto de relevância é que a EMTr tem um efeito mais pronunciado sobre a atividade cerebral de pacientes com distúrbios neurológicos ou psiquiátricos do que em sujeitos normais. Uma possível explicação para esse fato seria que o cérebro doente teria um poder de compensação menor para retornar à atividade basal - pré-EMTr - do que o cérebro sadio. Alternativamente, a modulação da atividade em um cérebro patológico poderia restituir a atividade cerebral normal, portanto, mais resistente a possíveis efeitos compensatórios do tecido nervoso.

A EMT na prática clínica e literatura

O uso da EMTr iniciou-se em pesquisas com depressão maior. Posteriormente, estudos com pacientes esquizofrênicos foram publicados. Recentemente, diversos outros distúrbios neuropsiquiátricos têm sido estudados: doença de Parkinson, epilepsia, dor neuropática, demência, sequelas de AVC, transtorno obsessivo-compulsivo, mania, transtorno de estresse pós-traumático, dependência química, entre outros.

Em 2012, Peres apresentou um panorama das publicações que tratavam da EMT que ilustrou bem o exponencial interesse pelo método. Dos primeiros estudos, em 1985, até 2000, foram menos do que dois mil artigos; em 2005, o número total ultrapassou os cinco mil artigos; e até 2010, foram mais de oito mil publicações.

No intuito de atualizar esses dados, uma busca, na presente data, no site de artigos indexados Pubmed por "transcranial magnetic stimulation" (estimulação magnética transcraniana) apontou 12.603 artigos sobre o tema. O que reforça o contínuo interesse científico pela técnica de EMT e suas possibilidades.

Depressão

Os dados sobre a eficácia da EMTr na depressão foram inicialmente controversos, pela diversidade de parâmetros utilizados ou limitações metodológicas. Atualmente não resta dúvida sobre a eficácia da EMTr no tratamento deste transtorno, reafirmado na publicação do consenso da Clinical TMS Society em maio deste ano (Perera et al., 2016).

Existem duas possibilidades de aplicação da EMTr no tratamento da depressão. Inicialmente George e Wassermann (1994) e em seguida Pascual-Leone, Rubio, Pallardo, & Catala (1996) propuseram utilizar alta frequência aplicada sobre o CPFDL esquerdo, com o intuito de aumentar a atividade desta área que estaria hipofuncionante na depressão. Posteriormente, Menkes, Bodnar, Ballesteros, & Swenson (1999) sugeriram que a depressão maior deveria ser resultado de uma diminuição da função do lobo frontal esquerdo em relação ao direito. Com base nessa hipótese, propuseram o tratamento com a EMT de baixa frequência sobre o CPFDL direito, com o objetivo de diminuir a atividade nesta área.

A literatura sugere que ambas as técnicas tenham eficácia antidepressiva, embora haja mais dados disponíveis sobre a aplicação de EMTr de alta frequência à esquerda; por isso, esta é a forma mais utilizada.

Em 2005, nosso grupo (Rumi et al., 2005) conduziu um estudo de associação de antidepressivo com a EMTr demonstrando outro potencial dessa técnica além do efeito antidepressivo per se. Observou-se a capacidade de acelerar e potencializar de forma significativa a resposta antidepressiva da amitriptilina em relação ao grupo sham (EMT placebo), já a partir da primeira semana de tratamento; a diferença de resposta entre os grupos manteve-se até a quarta semana.

Gestação e depressão pós-parto (DPP)

O uso de fármacos para o tratamento de quadros de depressão iniciado na gestação é uma possibilidade, no entanto, ele sempre oferece algum risco, visto que todos os antidepressivos atravessam a placenta e podem levar a malformações ou, mais tardiamente, a alterações comportamentais ou de desenvolvimento nos filhos das pacientes tratadas com essa modalidade de terapia. O período pós-parto também demanda grande cautela nesse sentido uma vez que todas as medicações antidepressivas disponíveis passam em algum grau para o leite materno.

A EMT tem a propriedade de ser focal e localizada no cérebro, portanto, não atinge o feto; trata-se de uma alternativa eficaz e segura para o tratamento farmacológico que já vem sendo testada em diversos centros no mundo.

O primeiro relato na literatura de utilização da EMTr na gestação foi de Nahas et al. (1999), com a descrição de um caso de paciente depressiva no segundo trimestre da gravidez, tratada com EMTr de baixa frequência, em região pré-frontal direita com sucesso.

Quando comparada à eletroconvulsoterapia (ECT), a EMT pode ser mais segura, visto que a primeira tem alguns inconvenientes, como a necessidade do uso de anestésicos e aparato hospitalar, maior risco de ocorrerem convulsões, déficit cognitivo posterior às aplicações e a necessidade do jejum, que pode trazer prejuízos à mulher grávida e ao feto em desenvolvimento. Um estudo aponta a EMTr como uma alternativa possível à ECT para a depressão na gestação, apesar dos poucos relatos de casos publicados (Klirova, Novak, Kopecek, Mohr, & Strunzova, 2008), sendo que a ECT poderia ser indicada às pacientes que não respondessem à EMTr.

Nosso grupo publicou em 2012 (Myczkowski et al.) um estudo controlado, duplo-cego e randomizado no tratamento da DPP. Os principais resultados mostraram que a EMTr tem potencial para melhorar tanto sintomas depressivos, como as funções cognitiva e social das pacientes com DPP. Os efeitos na esfera cognitiva/social são particularmente interessantes, em razão do aumento das demandas sociais associadas às mudanças na organização familiar que ocorrem no período pós-parto. Se corroborados por outros estudos, esses resultados poderão indicar a EMTr como o tratamento de escolha para DPP.

Esquizofrenia

Na fisiopatologia da alucinação auditiva existe um potencial aumento da atividade cerebral no lobo temporal, de forma que o tratamento com a EMTr para tal visa à inibição da área correspondente. Dessa maneira, a maioria das pesquisas utilizou a EMTr inibitória na região do córtex temporo-parietal (Burt, Lisanby & Sackeim, 2002) obtendo reposta clínica expressiva, de modo que esses parâmetros de EMT tornaram-se consensuais.

A eficácia da EMTr nos sintomas negativos permanece incerta.

Transtorno obsessivo compulsivo (TOC)

O tratamento do TOC com a EMTr ainda está em franca investigação experimental. Uma vez que a fisiopatogia do transtorno aparentemente está ligada a hiperatividade de circuitos profundos, envolvendo o sistema límbico e núcleos da base, o emprego da EMT padrão é particularmente desafiante.

Alguns estudos controlados demonstraram resposta positiva, porém, igual ao placebo, mesmo com a aplicação de diferentes técnicas. Um destes estudos, realizado por nosso grupo (Mansur et al., 2010), utilizou alta frequência aplicada ao CPFDL direito de pacientes com TOC resistente, resultando em um importante efeito placebo. Esse dado reforça a importância de se realizar estudos controlados, pois a literatura aponta que pacientes com TOC apresentam pobre resposta placebo (Mansur et al., 2010), o que nesse caso não se verificou.

Até o momento, os resultados mais interessantes foram obtidos por Mantovani, Simpson, Fallon, Rossi, & Lisanby (2010) utilizando frequências inibitórias aplicadas à área motora suplementar. Esses dados carecem ainda de replicação para sua aplicação clínica.

Dependência química

A fisiopatologia da dependência química aponta que o uso continuado de substâncias psicoativas altera vários processos de neuromodulação cerebral, os quais tendem a se cristalizar e manter o usuário em um ciclo de uso-abstinência-uso.

A neuromodulação proporcionada pela EMTr vem sendo estudada por vários grupos de pesquisa, podendo vir a tornar-se uma técnica importante, quando associada a outras técnicas nos múltiplos comprometimentos desses pacientes. Embora os estudos atuais ainda apresentem limitações metodológicas importantes, podemos citar as seguintes pesquisas que utilizaram alta frequência para a redução de fissura em diferentes dependências: Johann et al. (2003), usando uma única sessão na dependência de nicotina; Politi, Fauci, Santoro, & Smeraldi (2008), com 10 sessões na dependência de cocaína; além de Mishra, Nizamie, Das, & Praharaj (2010) para dependência alcoólica.

Em nosso grupo, Ribeiro (2012) produziu sua tese de mestrado com base em estudo controlado, duplo cego e randomizado, no qual obteve resultados muito animadores no tratamento da dependência de cocaína com EMT.

A EMT profunda pode se tornar técnica promissora nessa área.

Idoso: comprometimento cognitivo leve (CCL) e demência

O período de transição entre o envelhecimento normal e o diagnóstico de CCL ou de demência de Alzheimer (DA) muito inicial não tem, até o momento, abordagem específica de tratamento, deixando uma lacuna no arsenal terapêutico. A EMTr tem potencial para melhorar a cognição de idosos ativando redes neurais que atuam sobre a memória.

Guse, Falkai e Wobrock (2010) publicaram metanálise que avaliou a resposta cognitiva da EMTr de alta frequência sobre CPFDL esquerdo de pacientes com doenças psiquiátricas/neurológicas e em voluntários saudáveis. Ficou evidenciada uma melhora cognitiva seletiva em memória, funções executivas e aprendizado.

Outro estudo avaliou o sinergismo da associação da EMTr ao treino cognitivo (TCog) sobre a cognição de pacientes com DA leve a moderada em uso de anticolinesterásico (Bentwich et al., 2011). A EMTr foi aplicada em diferentes áreas cerebrais (Broca e Wernicke, CPFDL esquerdo e direito, parietal direito e esquerdo). Porém, trata-se ainda de um estudo aberto, com pequena amostra (n=8).

Há um estudo realizado em pacientes idosos com CCL do tipo amnéstico, no qual foi aplicada uma única sessão de EMTr no CPFDL esquerdo, levando à melhora transitória imediata da memória associativa (Solé-Padullés et al., 2006).

Nardone et al. (2012), em artigo de revisão, compararam a eficácia a longo prazo da EMTr de alta frequência versus a de baixa frequência, aplicada bilateralmente sobre os CPFDLs direito e esquerdo em pacientes com DA leve a moderada, e comparou também seus efeitos sobre a excitabilidade cerebral. Houve melhora significativa do grupo da EMTr de alta frequência sobre os grupos sham e EMTr de baixa frequência ao mini exame do estado mental, escala de depressão geriátrica e escala de atividades instrumentais de vida diária.

Nosso grupo, em um ensaio clínico controlado, duplo cego, randomizado, com 30 pacientes, obteve melhora da memória em teste ecológico (Rivermead Behavioural Memory Test) e atenção (Stroop) após 10 sessões de EMTr. A melhora da memória persistiu após seguimento de um mês (Drumond et al., 2015).

Infância

A estimulação cerebral pode trazer grandes benefícios para a população infantil, talvez mais do que a plasticidade já bem conhecida em adultos. Embora a sua utilização continue a ser limitada em crianças, existem dados suficientes para estimular o uso racional e seguro (Rubio-Morell, Rotenberg, Hernández-Expósito, & Pascual-Leone, 2011).

Autismo

Dois trabalhos foram publicados com a técnica de EMT para o tratamento de indivíduos com o diagnóstico de autismo pelo grupo de pesquisadores coordenados por Manuel F. Casanova, da Universidade de Louisville (EUA).

A partir da teoria proposta, de uma disfunção do sistema inibitório local, sugerindo uma disfunção eletrofisiológica, Sokhadze et al. (2009) experimentaram protocolos de EMTr inibitórios (de 0,5 a 1.0 Hz), com uma a duas sessões por semana, por 21 dias, no CPFDL esquerdo. Os protocolos foram aplicados em indivíduos adolescentes e adultos jovens com autismo de alto funcionamento. Avaliou-se a melhora do comportamento restrito, repetitivo e da hiperatividade, além de algumas funções executivas. Outro braço do estudo continuou com uma fase de seguimento que foi feita por 21 dias em CPFDL direito, com uma melhora na função executiva de análise imediata de erros (Sokhadze et al., 2012).

Nosso grupo utilizou pioneiramente a técnica de EMTr com Thetaburst em um estudo não controlado, com um pequeno grupo de pacientes diagnosticados com autismo de alto funcionamento, obtendo melhora tanto em aspectos cognitivos, notadamente na linguagem, como em aspectos de socialização (Abujadi, 2014).

Efeitos colaterais

Os efeitos colaterais ligados à EMTr são leves ou moderados e transitórios.

A estimulação em altas frequências pode provocar cefaleia tensional devido à contração da musculatura do escalpe durante a passagem dos pulsos magnéticos. Esse efeito ocorre em 5% a 20% dos pacientes, geralmente com intensidade leve, e responde bem ao uso de analgésicos comuns.

Podem ocorrer contrações faciais leves (comumente periorbital ou perioral) do lado estimulado, devido à estimulação de nervos superficiais que inervam os músculos da face, o que ocorre apenas durante as séries de pulsos e não permanece após a sessão dos estímulos.

Alguns pacientes referem incômodo pelo ruído produzido pelo estimulador durante a sessão, o que pode ser evitado com a utilização de protetores auriculares.

No início do uso da técnica, foram relatados alguns casos de convulsões acidentais. Oito crises epilépticas chegaram a ser descritas com a EMTr até 1996. Em junho de 1996, em Bethesda (EUA), a segurança da EMT foi revisada e discutida na conferência do National Institute of Health. Como resultado desta conferência, adotou-se um consenso, publicado por Wassermann em 1998, quanto aos critérios de segurança envolvendo os parâmetros da técnica de EMT. Crises isoladas descritas posteriormente utilizaram parâmetros que excediam as recomendações internacionais.

Com relação à cognição, não há relatos de efeitos amnésticos a curto ou longo prazo com o uso da EMTr, como ocorre comumente com a ECT. Ao contrário, uma melhora cognitiva vem sendo descrita pela maioria dos estudos, inclusive na população senil.

Contraindicações

Não devem ser submetidos à EMT pacientes que sofreram algum tipo de neurocirurgia com inserção de clipe metálico pelo risco de deslocamento deste; exceção feita aos materiais elaborados com titânio. Essa orientação serve para qualquer metal alojado no cérebro: resquícios de arma de fogo, provenientes de acidentes de trabalho siderúrgico ou outros corpos estranhos dessa natureza.

Também os portadores de marca-passo cardíaco não devem realizar a EMT pelo risco de interferência do campo magnético no funcionamento do aparelho.

Contraindicações relativas são o histórico de epilepsia do paciente ou casos de epilepsia na família. Em pacientes controlados pode-se realizar a EMTr para depressão, optando pela estimulação de inibição (com frequência de 1 Hz) em CPFDL direito.

Prótese dentárias e/ou mandibulares não interferem no tratamento.

Segurança e liberação para uso clínico

A EMT é um método largamente utilizado em todo o mundo. A liberação do uso clínico (ou seja, fora dos estudos científicos) nos Estados Unidos pelo Food and Drugs Administration se deu em 2008.

Em 2012, o Conselho Federal de Medicina (CFM) no Brasil autorizou o uso da EMTr para o tratamento das depressões e alucinações auditivas na esquizofrenia, além do uso da EMT para o mapeamento cerebral em neurocirurgia (Resolução CFM 1.986/2012, disponível em: http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2012/1986_2012.pdf).

A EMT é um método largamente utilizado em todo o mundo. A liberação do uso clínico (ou seja, fora dos estudos científicos) nos Estados Unidos pelo Food and Drugs Administration se deu em 2008.

As recomendações atuais de segurança e precaução foram definidas na conferência do National Institute of Health, em 1996, e foram sumarizadas na publicação de Wassermann (1998).

 

Considerações finais

A EMT fornece informações valiosas sobre a anatomia e fisiologia de vários circuitos neuronais; auxilia o diagnóstico de alguns transtornos neurológicos desmielinizantes, degenerativos (esclerose múltipla, esclerose lateral amiotrófica) e possibilita o mapeamento de áreas do córtex cerebral. Dessa forma, é um instrumento que provavelmente se tornará indispensável em vários diagnósticos.

Quanto à terapêutica neuropsiquiátrica, essa técnica pode constituir uma alternativa à farmacoterapia, particularmente porque seu perfil de efeitos colaterais é benigno e transitório.

Outra vantagem é a ausência de interação com fármacos. É importante lembrar que no tratamento das doenças mentais frequentemente há a necessidade de associação de medicamentos, o que implica uma interação entre eles. Além disso, pacientes idosos geralmente já fazem uso de múltiplas medicações por outras doenças comórbidas. A EMT possibilita redução dessa dificuldade no tratamento.

Ainda, a aceleração do início da resposta farmacológica, quando a técnica é usada em associação aos antidepressivos, é um benefício adicional da EMT que também pode ser explorado.

No que tange a perspectivas futuras, além dos transtornos do humor, a EMT é um método promissor para a abordagem de inúmeras outras patologias atualmente em curso de pesquisa:

 

Referências

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Recebido: 19 jul 2016
1a revisão: 25 jul 2016
2a revisão: 21 set 2016
Aprovado: 30 set 2016
Aprovado para publicação: 09 nov 2016

 

 

Minicurrículos:  Marco Antonio Marcolin Psiquiatra formado pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Completou o Master e PhD pela University of Illinois at Chicago (EUA). Pós-doutorado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Fundador do Serviço de Estimulação Magnética Transcraniana do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Implementou a aprovação da EMT junto ao Conselho Federal de Medicina e junto à Associação Médica Brasileira.
Bianca B. Bellini
Residência em Psiquiatria no Conjunto Hospitalar do Mandaqui. Certificada pela Université Paris VII com Attestation de Formation Spécialisée Approfondie (AFSA). Iniciou-se no domínio da Estimulação Magnética Transcraniana no Centre Hospitalier Sainte-Anne. E-mail: contato@clinicamarcolin.com.br
Conflito de interesses: Os autores declaram não haver nenhum interesse profissional ou pessoal que possa gerar conflito de interesses em relação a este manuscrito.